quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Breve História da Ignorância

Até chegarmos ao nível de ignorância que temos hoje passaram-se muitos séculos e muitos homens geniais foram precisos para deixar um contributo lento mas progressivo. Posso dizer sem errar que a nossa ignorância de hoje é melhor que a de há 3000 anos atrás. Sim, melhor, mais sofisticada, mais definida, nem mais pequena, nem maior, apenas mais grandiosa.

Tal como outras histórias do saber ocidental, esta começa na Grécia Antiga, cerca de 500 a.C. com Sócrates. Como ele não nos deixou nada escrito, temos que confiar em Platão como veiculo das suas ideias. A ele se atribui a frase “só sei que nada sei”, constatação conhecida como Douta Ignorância. Não, não se trata de um doutoramento em ignorância, o que Sócrates queria dizer seria mais “quanto mais sei, só aprendo que nada sei”. Quem não acreditar na honestidade de Sócrates que releia os diálogos de Platão. Através deles ficamos a saber que Sócrates para provar que não era um sábio e muito menos “o mais sábio”, se dedicou a importunar potenciais candidatos ao posto para depois concluir que eles não eram sábios, uma vez que não sabiam mais que ele. Para um homem que defendia valores como os da amizade, esta procura por um homem mais sábio irritou os inquiridos e acabou por deixar para trás um rastro de inimigos que culminou na sua sentença à morte.

Platão e mais tarde Aristóteles não deixariam entregues ao alheio os seus méritos intelectuais e a filosofia começa a ganhar forma. É através deles que temos conhecimento de Socrates, que não deixou nada escrito. Nesta altura a filosofia divide-se em antes e após Sócrates, tal foi a sua importância. O facto de Aristóteles (aluno de Platão que foi aluno de Sócrates) ter sido professor de Alexandre O Grande e de este ter aberto caminho à machadada pelo mundo fora, impondo a sua ordem, parece não ter nada a ver com o assunto. Mas passariam muitos anos ainda até que um novo passo de tal dimensão fosse dado. E agora refiro-me ao Teorema de Godel.

Para isso, ainda nesta época, contribuiu um outro Grego, que formulou o Paradoxo do Mentiroso. Eubulides de Mileto terá dito: “um homem diz que está a mentir; é o que ele diz verdadeiro ou falso?”. Por vezes é confundido com o que disse Epimenides de Creta: “todos os Cretenses são mentirosos”. Se ele esta a mentir então os habitantes de Creta não são mentirosos, pelo que ele então não esta a mentir. Se ele esta a dizer a verdade então ele próprio está a mentir pelo que então estaria a dizer a verdade e não a mentir. Confuso? Sim. A auto-referência torna a frase circular e irresolúvel. Mas é o anteriormente citado Paradoxo do Mentiroso que tem uma relação directa com os Teoremas de Godel sobre incompletude, pelo menos é o que dizem aqueles que sabem mais do que eu.

Durante a Idade Média a Ignorância passou um mau bocado. Mais uma vez com Aristóteles ao barulho, mas sem que ele fosse objectivamente o culpado, a Idade Média eram só certezas. A palavra do antigo filósofo era a Lei. A Igreja tinha a palavra, e dava-a sobretudo a Aristóteles em matérias de coisas terrenas.

O renascimento foi um belo momento na história da ignorância, onde esta tinha uma aura de inocência e alimentava os espíritos curiosos e inquietos da época. Os Portugueses lançam-se ao mar e iniciam a idade das descobertas.

Por volta de 1650 começa a desenvolver-se a partir da correspondência entre Fermat e Pascal a Teoria das Probabilidades, que é já uma abordagem científica sobre a Ignorância. Determina a forma como devemos lidar com ela. E a forma como devemos lidar com ela é, probabilisticamente. Desde a medicina à mecânica quântica as suas aplicações são inúmeras.
Muitas vezes podemos não saber fazer a previsão de um certo fenómeno, mas podemos dizer qual a probabilidade de ele acontecer dentro de determinados parâmetros. É a educação da Ignorancia.
Nota: no dia a dia, faz a diferença entre o optimista e o pessimista. O optimista acredita que o melhor cenário é o mais provável de se verificar, o pessimista acredita o contrário.

O marco seguinte nesta história, a meu ver, tem de ser atribuído a Hilbert que em 1900 descreveu 23 problemas matemáticos pertinentes que careciam de solução. Ou melhor cuja solução era ignorada. Alguns foram resolvidos mas outros mantêm-se actuais (7 não foram resolvidos ou só parcialmente resolvidos de acordo com a wikipédia). Mais incrivelmente, o segundo provou não ter sequer solução como Godel viria a demonstrar. Hilbert contribui ainda com bases matematicas que possibilitam os avanços na fisica que se seguem. E a partir daqui caro leitor, é uma explosão do refinamento da ignorância:

Em 1901 Heisenberg descreve o princípio da incerteza com o seu nome que diz sumariamente que não podemos conhecer a posição e a velocidade de uma partícula ao mesmo tempo. Quanto mais conseguirmos saber de uma, menos vamos conseguir saber da outra.

Em 1926 Erwin Schroidinger formulava a equação que seria central na mecânica quântica e o mundo sub-atómico passava a ser probabilístico até aos dias de hoje. Einstein aborrecido dizia: "Deus não joga aos dados", mas ao mesmo tempo tornava tudo no universo relativo. Schroidinger escrevia-lhe uma carta onde contava a historia do gato que não esta vivo nem morto até que se olhe para ele. Godel, amigo de Einstein, tentava ajudar remexendo na relatividade. O grande passo seguinte seria dele mas não por ter aumentado o alcance da teoria da relatividade.

Em 1931 Kurt Godel , em resposta ao programa de Hilbert, apresenta os teoremas da incompletude. Ainda nos dias que correm são a ultima palavra sobre Ignorância. Hilbert procurava encontrar um conjunto de axiomas onde se pudessem formalizar todas as teorias conhecidas e encontrar a prova de que este sistema era consistente. Ou seja, queria unificar as teorias conhecidas num único sistema e que esse sistema fosse tal que não daria origem a contradições. Afinal de que serve um sistema que define que uma determinada expressão é simultaneamente falsa e verdadeira, ou em que é possível provar que 1+1 é igual a 3?. Pois foi o que Kurt Godel provou. Esse sistema todo-poderoso que englobaria todos os outros não existe.
Quanto mais consistente for um sistema, diz o teorema, menos completo ele é. Quanto mais completo for, mais problemas de consistência vamos ter. Como a matemática é a base de tudo, isto significa que nunca vamos ser capazes de saber tudo. A ignorância perpétua foi teorizada. Será que os problemas da física actual são já uma consequência do teorema de Godel?

Em Setembro de 2008 na ânsia de encontrar uma solução para os sistemas físicos teoricos em vigor (teorias não faltam) é posto a funcionar um aparelho que esmaga protões. O que se vai encontrar pertence ainda ao domínio da ignorância.
Continua em "Certezas? Não tenho a certeza". em 7 Novembro 2008

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