sábado, 26 de fevereiro de 2011

A mente fechada.

O ultimo "post" foi sobre a "mente aberta" e como eu vejo a utilização desse termo, por isso agora fazia sentido fazer um sobre a mente fechada. Aqui vem ele:

Tal como a "mente aberta" não é para mim uma mente que aceita toda a carga de ideias, a "mente fechada" não é simplesmente a mente que não aceita ideias novas.

Isso é a "mente bafienta" (fica para outro dia). Não conheço casos em que se aplique, felizmente. Mas mentes fechadas, sim. É frequente vê-las fecharem-se frente às ideias mais bem fundamentadas e por isso penso que é preciso distinguir entre não aceitar ideias novas, (ou poucas) e aceitar apenas as ideias novas de que gostamos.

Este ultimo caso, é o caso da mente fechada de Linaeus. Tem à priori uma expectativa que tem de ser observada e sem investigação especifica sobre o tema em causa, faz uma opinião. Não aceita o que não gosta e fundamenta-se no que quer acreditar.

Considera que o que lhe parece deve ser e que a sua opinião tem o mesmo valor que um argumento cientifico ou filosófico. Provavelmente vou ser queimado vivo por isto... Mas a verdade é que *opinando* não é uma forma segura de construir conhecimento. É verdade que cada um tem direito a ter a sua opinião, mas mesmo este facto, de que cada um tem direito a ter a sua, devia chamar a atenção para que o conhecimento opinativo, do senso comum, não tem valor enquanto conhecimento rigoroso. A não ser que cada um tenha direito à sua própria realidade.

Toda a gente tem direito às suas próprias opiniões, mas não aos seus próprios factos, leis e teorias. Ou funcionam ou não funcionam. Ou funcionam mal. Mas seja como for, opinar não é a ultima palavra no mundo da epistemologia. É a primeira. É a que se tem quando não se sabe melhor que isso. Pode fazer falta, mas quando há melhor é preciso ter a mente aberta. Durante milénios não houve melhor. Durante 200.000 anos o homem não teve mais que senso comum e a sua opinião para o  guiar. A escrita tem menos de 7000 anos e o conhecimento transmitido oralmente é uma lotaria.

Mas agora tem mais. Tem a filosofia desde a Grécia Antiga e a ciência desde Galileu.

Por isso, penso que o problema está em parte  em achar que ninguém deve saber melhor que isso, que a opinião própria, sobretudo quando se trata da nossa opinião. Uma crença que em si deve ter dado segurança e determinação a milhares de homens durante milhares de anos.

É uma coisa relativamente nova poder dispor de tanto conhecimento que é melhor que o opinativo. Há quem considere que a inteligencia é precisamente a capacidade de adaptação a situações novas do ponto de vista evolutivo. Passar a pesquisar o que dizem os especialistas, o que está provado com rigor, como se pode saber o que se sabe, pode muito bem ser em si um sinal (mas não o unico!) de inteligência nessa prespectiva. Se não, pelo menos de "mente aberta".


A "mente fechada" caracteriza-se não só por não estar aberta a avaliar imparcialmente as evidências como a não estar sequer estar aberta à sua pesquisa. Prefere fazer julgamentos rápidos menos informados a lentos e mais informados (dantes não era uma opção) e não obstante isso insiste que o seu, por ser seu, é o melhor.

A mente fechada recusa-se a ir mais longe que a opinião. Por preguiça, ignorância, teimosia ou impotência, escolhe defender uma opinião qualquer, que pareça simpática, e não está aberta a estudos sistemáticos, argumentos difíceis de perceber (sobretudo se envolverem matemática), ou que pura e simplesmente requeiram muita aprendizagem nova.

Frequentemente recorre a raciocínios falaciosos sem dar conta disso e considera um exotismo grotesco que se apontem  falácias, não gosta que se critiquem as suas ideias - considera-as uma coisa pessoal - e até acha que a ciência ou a filosofia são uma questão de opinião. Aceita testemunho individual como evidencia forte, confunde carisma com autoridade, e vê facilmente relações de causalidade em coisas que tenham uma sequência temporal.


No entanto se lhes perguntarem, às mentes fechadas, se a realidade é uma questão de opinião, a maioria dirá que não. Mas isto não os fará enveredar por uma sede de investigação, procura de conhecimento ou coisa do género. Como se o conhecimento fosse a coisa mais bem distribuida deste mundo, e algo que nunca falta, estão sempre satisfeita com o que têm e com a qualidade dos seus argumentos. Argumentos esses que lhes parecem bons desde que sejam a defender a ideia que já tinham antes. Coisa que devia ser ao contrário, é ter uma ideia porque é suportada por bons argumentos.

Mesmo quando proferem o seu mais potente argumento: "Porque eu acredito" ou "porque eu sei", não se dão conta da inversão lógica. E este é o sinal patognomónico  da "mente fechada". É o considerar a sua opinião um argumento em si. Que acreditar é o ponto de partida para formar conhecimento - numa confusão desastrosa entre mapa e território. Está errado. Depois é enveredar numa odisseia de confirmation bias" e temos a mente fechada feita de ideias... Fechadas? Sim, é o termo correcto. Fechadas a serem testadas.

As coisas não são como são só porque nós gostávamos que fosse assim, fosse bom que fosse assim, acreditamos que é assim ou até que devia ser assim.

Dá trabalho, e às vezes não está ao nosso alcance perceber tudo. Mas sinceramente. Vale a pena.

Agora um nota importante: A "mente fechada", caracterizada por todos estes pontos o tempo todo, é uma abstracção. Não corresponde a ninguém. É um exagero para tentar caricaturizar um estereótipo de comportamento e um estado mental, não tanto de carácter  -  felizmente a mente fechada é algo que não ocorre o tempo todo mesmo nas mentes mais susceptíveis. Pelo menos que eu tenha presenciado. Espero não ofender ninguém, não é o meu desejo, mas como alguém a quem esse rotulo já foi colado muitas vezes sinto-me no direito de dizer o que penso sobre isso. Estou aberto a refutação. Como sempre.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A mente aberta!

Volta e meia, tumba! Lá levo eu com a cena da "mente aberta". Nos ultimos 15 dias acho que me pediram para ter a mente aberta pelo menos umas 3 vezes.

Foi na manifestação da homeopatia, foi nos comentários de um dos posts acerca da homeopatia e foi por causa de uma crítica minha à Cabala no facebook.

Mas eu, como sei o que lá querem atirar para dentro, tenho muito cuidado com essa coisa da mente aberta. Isso é o equivalente cognitivo a deixar o carro parado no cais-do-sodré todas as noite, com as portas abertas e dinheiro no porta-luvas para a gasolina.

É que "mente aberta" para mim, significa ser capaz de aceitar as evidências; significa ter sede de procurar demonstrções solidas, vontade de conhecer resultados experimentais, e ser capaz de os aceitar mesmo que não fossem o que eu esperava.

"Mente aberta" definitivamente não é acreditar em tudo o que alguém propõe.  Não é dar um bilhete de ida ao espirito crítico e mandar a lógica e os factos conhecidos verem se chove. Toda a gente, de um modo ou de outro, escolhe as coisas em que acredita. A minha proposta é que o critério, em vez de ser a sensação visceral que uma ideia nos causou ou o pedido de credúlidade do apresentador, seja a ponderação consciente e informada sobre a matéria em causa. Que seja a qualidade da justificação. Que seja a qualidade da resposta à pergunta: "como sabes isso?" Se a resposta é outro apelo à credulidade, ou porque era bom que assim fosse ou porque há muita coisa que ainda não se sabe (apelo à ignorancia) que é a norma nos auto-intitulados abertos de mente (pelo menos quando o termo vem à baila), estamos mal.

Eu até poderia dizer que se isso é a tal "mente aberta" não me faz falta uma mente aberta. Mas é o próprio uso do termo que está errado. Mente aberta sim, mas com espírito crítico.

Quem diz ter mente aberta com tanta prontidão, (normalmente para impingir as coisas que diz requererem mente aberta), está a regeitar outras ideias muito mais plausíveis sobre o mesmo assunto e que se refutam mutuamente. E quem achar que tudo o que passa pela cabeça de alguém é verdade e que é verdade tudo ao mesmo tempo, bem... Recomendo as melhoras.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Deus e o ónus da prova. Onde anda ele? Um ensaio diferente.


Este texto sofreu 1 revisão (incompleta) e 2 notas de actualização.

Não é um problema 
Uma das alegações dos anti-ateus é que o ónus da prova sobre a existência ou não de deus é de quem a nega. Alguns até pretendem fazer um momento de agnosticismo instantâneo para se escaparem momentaneamente a ter de provar que deus existe.

Mas eu não tenho problemas com isso. Eu acredito que a afirmação “deus não existe” é mais plausível, muito mais plausível, que a afirmação “deus existe e é um ser omnipotente, omnipresente, omnisciente, bom e justo”, porque é o que os factos permitem concluir.

E que além disso afirmo que mesmo que deus existisse, não está descrita uma maneira inequívoca de saber o que ele quer e pensa, por isso não se pode sustentar nenhuma afirmação como sendo a sua vontade.

 Quando o cepticismo precede o ateísmo
Mas para além disso a posição do ceptico é lógica. Quem traz uma nova entidade para o plano da realidade tem o ónus da prova. A hipótese nula, tem de ser o "default". Quem traz novas entidades para cima da mesa é que tem de provar. Qualquer entidade. Desde texugos a electrões, deuses ou fadas. Tudo, o que não pertence já a possibilidades demonstradas dentro do corpo de conhecimento actual, é provavelmente imaginação até prova em contrário. É assim que se consegue começar construir conhecimento sólido.

Tomar a alternativa "todas as entidades são reais até prova em contrário" é a loucura cognitiva. É algo que dará uma quantidade infinita e intestável de erros e hipóteses. 


Por isso, a hipótese nula ser aquela com a qual todas são comparáveis é a única maneira não só sã mas possível de ganhar conhecimento. Disso depende a capacidade de isolar variáveis e compreender como e porquê acontecem as coisas. É uma necessidade epistemológia. A não ser que queiramos defender entidades cuja existência ou inexistência é equivalente! - que são de esperar estarem omissas no corpo  de conhecimentos actual
As coisas não passam a existir fora do pensamento só por se pensar nelas. 
Sabemos que criar entidades é fácil. Basta postulá-las. Mas nem todas são reais. Por isso, devemos excluir aquelas que não têm mais em sua defesa que a mera crença.  

Temos de ser capazes de distinguir entre o mapa e o território. Temos que conseguir distinguir entre a crença em deus e a existência real desse deus.

Há um princípio que diz: “As entidades não devem ser replicadas para além do necessário”. E isto provou ser verdade na arena da realidade, não só pela lógica de que não faz sentido validar postulados à toa, mas porque provou ser extremamente fecundo. Tão fecundo, que nem os teístas gostariam de largar tal princípio que é de facto a base do naturalismo metódico. Toda a nossa qualidade de vida potencial e longevidade se devem a essa abordagem. Não a nenhum deus.

O deus-das-lacunas não é um problema se deus é suposto estar em todo o lado e só está nas lacunas.
Por isso, mesmo sem saber tudo acerca do universo, só sabendo um bocadinho, podemos dizer que não havendo factos que suportem especificamente a existência de Deus, o ónus está em quem diz que ele existe. Para ultrapassar este princípio de simplicidade, de que as entidades não devem ser replicadas para além do necessário, não basta dizer que qualquer coisa é obra de deus. É preciso encontrar algo que só possa ser explicado por Deus e nada mais. Coisas que acontecem mecanicamente com regras ou mesmo em nuvens de probabilidade não servem. No mínimo, tem de haver algo que é muito mais bem compreendido por deus existir do que se não existir. Tal como os átomos e as moléculas só foram aceites quando se acumularam factos que só podiam ser explicados pela sua existência. Só que tais fenómenos não há para justificar a crença em deus.

Já houve, talvez quando achar que a chuva e o vento eram deuses fosse de facto a melhor explicação.

Para ajudar, Deus ainda por cima era suposto estar em todo o lado, pelo que nós não temos de ser capazes de procurar em todo o lado para concluir que não existe. Basta mostrar que há sítios críticos onde Deus não está.

 O que não são lacunas 
E Deus não está na evolução das formas de vida ou sequer no funcionamento da vida, não está na evolução aparecente do cosmos, não está no curso das doenças e da saúde, não está no funcionamento da consciência... Não está no surgimento de coisas a partir do nada (isso está sempre a acontecer no mundo quântico), não está no aparecimento de organização (coisas mais complexas evoluem naturalmente das mais simples, como demonstrado na teoria da evolução), não está nas nossas vidas, não está na realidade em lado nenhum que se conheça. (E quem disser que está nas suas vidas que mostre que determinada coisa só poderia ser explicada por deus.)

Tudo isto nós sabemos pela ciência. Isto coloca o ónus definitivamente no campo do crente. Mesmo que não aceite a posição cada vez mais válida do céptico que diz que hipótese nula tem de ser o "default". O ónus da prova tem de estar em quem tem a afirmação menos substanciada pelos factos mais sólidos.

Confusões de mapa e território
Quanto às provas metafísicas e pseudofilosóficas, são apenas confusões entre mapa e território, pois pela sua própria natureza não podem demonstrar que deus é mais que uma construção humana. Estão epistemologicamente impedidas de o fazer. Seriam úteis se Deus estivesse já estabelecido como entidade real. A metafísica não é sobre a aferição de algo como real. É sobre o que significam as coisas para o ser pensador e como elas poderiam ou deveriam ser. Esta confusão sobre o poder da metafísica é a origem de imensas provas da existência de deus que são depois refutadas com a simples nota de que as coisas não passam a existir só porque pensamos nelas.

Como disse num parágrafo anterior, as coisas não passam a existir só porque pensamos nelas. E não é preciso que existam para que as possamos postular. Isso é fácil. Postulo agora uma Mifroteca Manfarrona que criou o Javé para testemunhar a meu favor. Vive no interior do polo norte de Vénus apesar de ser omnipresente (Mistério da Fé) e tem pior génio que Javé mas adora a bondade. Tem outros Deuses por si criados que vivem noutros universos, mas este é o seu preferido. A Mifroteca Mafarrona auto-revela-se para mim e todos devem ler as minhas palavras. E venerá-las através dos séculos. A Mifroteca ao contrário de Javé pode mesmo fazer o impossível. Ela pode mover o objecto inamovível que se movendo por ela continua sem se mexer. Ela é o bem e o mal, o amor e o ódio,  ela é a dor e o prazer. Ela não tem limites. Assim se torna necessário que, Ela é e não é simultaneamente. E como eu sou apenas humano e não poderia conceber nunca uma coisa que é e não é ao mesmo tempo provo que só poderia referir tal coisa se ela já existisse antes de mim. Viva a Mifroteca.

Ok, já chega de Mifroteca. Mas posso só postular um ratinho pequenino verde que come baleias e só fala com Esquimós?
O deus que sobra
Se não houver nada que distinga a crença em deus da existência de deus, se não houver efeitos que possam ser inequivocamente atribuídos a um deus real, então a plausibilidade de deus existir é perto de nula.

Porque o corolário disto é que o deus possível é um deus sem efeitos, cuja existência se confunde com a mera crença. E que espécie de Deus é esta? Eu digo que isto não é um deus de todo! Não um que justifique andar a adorar. É um deus cuja existência ou inexistência é indiferente para a espécie humana.  Um deus sem intencionalidade.

Cabe aos teístas demonstrar onde é que está a diferença inequívoca entre o deus real e o deus-crença. O deus-crença é a crença em deus, essa entidade metafísica dos nossos neurónios da qual eu não tenho duvidas da existência. Basta alguém ter a crença para a crença existir! Mas deus todo-poderoso, logo real e com intencionalidade  não se torna real nesse instante.

Não provaste aqui todas as teorias científicas que mencionas. 
Em resposta a esta linha de argumentação há crentes que considerariam satisfatório dizer que eu não apresentei aqui (neste post ou outro do género) provas das citações do conhecimento onde disse que deus não estava, como sendo suficiente para  refutar as minhas afirmações. Isso é tolice. É pôr em causa que essas teorias existam ou tenham sido por sua vez e no local apropriado demonstradas. Por conseguinte põem a validade da ciência em causa. E isso é outra discussão que normalmente é evitada pelo crente.

Para além disso, essas demonstrações encontram-se em artigos que podem ser lidos por quem quiser. Estão por sua vez compilados em tratados técnicos por tema, destinados a quem quiser iniciar-se numa especialidade. Por vezes até a discussão que suscitaram esses artigos é descrita. Para quem não quiser saber tanto, existe ainda uma excelente divulgação cientifica para leigos que inclui sempre material suficiente para se poder ir confirmar como determinada afirmação foi sustentada. Qualquer pessoa pode aceder a esta informação e o caminho para lá é simples (mas árduo, sem duvida, é preciso muito estudo).
Também não é preciso saber tudo o que é possível saber. Muito poucos homens têm sido apontados como compreendendo toda a vastidão da ciência. Eu nem acredito que esses tenham existido, pelo menos nos últimos 50 anos. Mas é possível conhecer-se bem uma grande parte da realidade e ver as grandes fatias de realidade que ficaram despojadas de intervenção divina.

De resto, não podendo apresentar esses temas num único post, (tal nem é possível num único tratado)  tenho feito neste blogue a tentativa de criar uma porta de entrada, um vislumbre do que se pode saber se quiseremos seguir o conhecimento cientifico.

O argumento de que não trouxe para aqui todo o conhecimento que disse haver é tolo. Pois é uma afirmação que pode ser verificada e deve ser verificado no terreno, onde a ciência é produzida e não aqui. Aqui eu procuro divulgar, não fazer ciência. E há limites logísticos.

Em resumo, a questão é  se esse conhecimento existe ou não. O resto é circunstâncial. E é importante verificar isso, sem duvida. Por isso aceito discutir casos a caso e ponto a ponto, porque é loucura trazer tudo para cima mesa de uma vez. Não se consegue discutir nada.

Posso sempre sugerir ir ler a wikipédia em Inglês - os 8 Gigas - ou pôr aqui uma cópia para me desembaraçar da questão. Depois diria que sem lerem tudo, de uma ponta à outra é que podiam ter conhecimento do que se sabe para continuar a discutir. Mas sinceramente isso era fazer o mesmo disparate de negar que o conhcimento cientifico exista porque não pode ser trazido para aqui.
E sim, a wikipédia em Inglês é bastante boa. Para quem for alérgico a coisas grátis sugiro a Brittanica. É uma compilação bastante razoável e acessível. Com bastantes ligações e referências.

Seja como for, estou sempre aberto para uma boa discussão sobre o que é ou não matéria de facto. Mas eu não sou deus e até digo que eles não existem, por isso não me peçam para ser um e discutir e demonstrar tudo de uma vez.
Conclusão 

No contexto do conhecimento actual, onde faltam observações que só a deus possam ser atribuídas e onde tantas afirmações sobre deus e o que deus disse têm vindo a mostrar-se desastrosas, o ónus está em quem insiste que deus é real para lá da imagem mental que fizémos dele.

Também não me parece suficiente argumentar que o universo é deus, e tudo é deus, resolvendo assim uma série de problemas, porque isso não diz nada acerca desse universo ter intencionaldade, ou ser omnipotente e são precisamente essas as características que estão em causa.

Pedir para demonstrar todo o conhecimento que já existe de uma vez e tirar partido da impossibilidade prática de o fazer, é uma atitude palerma que só serve para distrair da verdadeira questão, pois para ser levada a sério significaria que quem a usa está a pôr aquilo que mais solidamente conseguimos provar em causa. Se não está não faz sentido pedir a demonstração em tempo real. Porque o facto de não poder fazer não quer dizer que esse conhecimento não exista e tal pode ser e é de facto demonstrado nos canais adequados. 

O Deus das lacunas é o deus que escapa entre o que sabemos do conhecimento científico. E até do filosófico se quiserem, se bem que haja filósofos que considerem que só podemos pensar em coisas que existam, mas isso é problema deles.

Por último, referenciar a posição do céptico - todas as entidades aceites como reais têm de ter uma evidência forte da sua existência. Por defeito! Embora provar pela negativa seja possível, tal só deverá ser necessário se houver indícios fortes que justifiquem sequer o esforço. Neste caso justifica, nem que seja pela multidão que se rege pelo que Deus supostamente diz.


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Nota Importante: Eu sei que o onus da prova é atribuido por defeito a quem faz uma afirmação. Sei que essa é a norma. Peço desculpa se não deixei claro que isto representa uma posição original:
O que eu ponho em causa é precisamente o valor dessa norma. A unica justificação que eu vejo para essa norma é que quem quer acrescentar informação que não existe ao corpo de conhecimento humano, seja negando ou afirmando uma nova entidade tem de produzir prova. Mas se o corpo de conhecimento não diz nada acerca da sua existencia, a afirmação "essa entidade tem o valor lógico falso até prova em contrário" é de facto uma necessidade lógica, que não representa nova informação por si. É o que já sabemos. É o que fazemos quando estamos a tentar isolar variaveis e a dar valores de inexistencia a toda uma série delas que nem sequer sonhamos. Outra coisa é que dizer que  "A é falso até prova em contrário" é uma necessidade lógica. É uma assumpção. Um pressuposto de trabalho que apesar de atirar o onus para outro campo não é igual a dizer "eu tenho prova de que A é falso." Embora, se a prova de que A é falso, não for a hipotese mais plausível dentro do conhecimento actual, dizer que "A é  falso até prova em contrário" representa uma afirmação falsa. Mas se for o caso, quem faz a afirmação que A é verdade deve ter o trabalho do onus simplificado sem ter de precisar de nova investigação.

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Segunda nota: comecei a emendar algumas frases que não estavam a suportar a posição que queria deixar e acabei por optar escrever apenas esta segunda nota, a reforçar coisas que apesar de de tudo já disse antes. Emendei apenas duas frases no principio do texto. Reli a conclusão e está no espírito do que quero dizer

Considero que o maior argumento contra a minha apresentação é o facto de se poder tratar de uma falsa dicotomia. Mas esta discussão só se aplica a casos em que no corpo de conhecimentos total não há nada que sugira a plausibilidae de A (sendo A a entidade em discussão)  e em que o corpo de conhecimentos é completo ou perto disso para questões relacionadas com A. Nesse caso ainda penso que a minha apresentação é válida. Há mais possiveis contra-argumentações que procurarei referir embaixo mas que não considero suficientes para refutar o texto:

1 - Não estou a dizer que a ausência de prova é prova de ausência, apenas. Estou a querer dizer que a ausência de prova (se o conhecimento é extenso sobre questões relacionadas com A) coloca o onús da prova em quem afirma a sua existência. Se isto coloca a discussão sobre se existe ou não existe prova no corpo de conhecimento ja existente, este ensaio não se aplica. Se se conclui que não existe prova apesar de haver um extenso desenvolvimento de questões diretamente ligadas, é correcto assumir que não existe - até prova em contrário - já que o conhecimento é um trabalho em contrução. Se queremos provar A com argumentos que podem vir no futuro, isso sim é um apelo à ignorancia.

2 - Também não estou a dizer que se não está provado que A não existe, então A não existe, apenas. Estou a dizer que a posição mais plausível para abordar esse problema é que se A não está provado que existe ou que nada aponta para a  plausíbilidade da sua existencia, então o onús da prova tem de estar em quem diz que existe. Se temos um corpo de conhecimentos que é extenso a  omissão total de A nesse corpo de conhecimentos é indicativo de baixa plausíbilidade. Coloca o onús da prova em terreno oposto.


Podemos acabar com a dicotomia assumindo nem que a entidade é falsa, nem que é verdadeira. Esta posição está sempre correcta. É independente do valor real para a entidade A. Ou sequer se é sobre a entidade A. Mas precisamos de um critério de verdade e de distinguir entre verdadeiro e falso. É nesse sentido que digo que não é lógico, no pressuposto de que queremos criar conhecimento, de não assumir nenhuma hipotese. Alguma hipotese tem de ser posta para se testar. E a que tem de ser provada é a que tras a nova entidade para o campo do conhecimento. Isto num contexto em que já temos muitas explicações para as coisas que observamos. 

É importante ver que isto não é sobre o que está provado à priori. Nada está provado à priori. É sobre quem tem o onus da prova à priori num contexto vasto de conhecimento, não sobre tudo, mas sobre alguma coisa que esteja relacionada com a entidade em causa.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Uma guerra fundamentada em evidência anedótica.


Segundo um artigo do Público, Colin Powel quer explicações da CIA e do Pentágono por não se terem apercebido que o informador que lhe indicaram  (para saber se existiam no Iraque armas de destruição maciça) estava mentir (1).

Mas a questão não é só esta.

Isto significa que milhares de mortos e estropiados resultaram da mentira de um único homem que viu esta como a melhor maneira de derrubar o regime de Sadam Hussein.

Colin pode considerar isto culpa de outros?

Não, se souber que a fonte era apenas um homem, sem confirmação independente, e sem outras provas. Testemunhos individuais não têm valor como prova, sabemos isso a partir de várias linhas de investigação. Fazem parte daquilo a que se chama “evidência anedótica” porque não valem mais que a sua mera menção(2). Ou seja, não é para apagar, mas também não serve para tirar conclusões. É insuficiente.  

O erro não está em ter ou não percebido que o homem mentia. O erro está em considerar um testemunho isolado, sem verificação independente, não suportado por provas físicas, totalmente assente no "acreditem em mim" como sendo uma prova.

Colin Powell faz a segunda asneira ao publicamente acusar orgãos de investigação, de um problema que ele será o responsável, numa atitude de desinformação, talvez a ver se o povo ainda percebe menos do que ele sobre o valor das evidências, ou de demonstração de uma ignorancia chocante para um homem no cargo dele. Já para não falar na enorme falta de bom senso. 

Ele sabia que a informação provinha apenas de um homem: 

De acordo com a mesma noticia, ele disse: “(...)descrições em primeira mão de fábricas de armas biológicas… A fonte é uma testemunha que vigiou uma dessas instalações”.

Os serviços secretos alemães, que foram quem indicou a testemunha à CIA não se deixaram convencer. Os americanos sim. Sim?  

Colin Powell quer fazer-nos acreditar que a CIA ou ele próprio não sabem que testemunhos individuais são a forma de evidência mais fraca que existe?

Eu acho que isto não bate certo. Não faz sentido nenhum. De certeza que num país onde há relatos de encontrar o Elvis ou de raptos por extraterrestres (com abuso sexual!) aos milhares por ano, que a CIA sabe o mesmo que os cientistas descobriram há décadas. Os testemunhos individuais valem nicles (mesmo se forem de cientistas! - tem de haver verificação independente e/ou sistemática). Se fôssemos acreditar em tudo o que já foi testemunhado por uma ou até várias pessoas mas que não pode ser confirmado, o mundo era um lugar pejado de duendes, fadas, discos voadores, vampiros, Elvises, deuses, profetas, orbs, elfos, etc., etc., etc...

Uma guerra foi iniciada por base em evidencia anedótica. E C.P. diz que o problema foi a CIA ou o Pentágono não terem percebido que ela  - a testemunha - estava a mentir.  

Não, o problema foi valorizar-se uma coisa que não vale praticamente nada(3). Nunca. É um erro de lógica usar evidencia anedótica sem mais provas (2)(3). E sinceramente é isto que devia vir também na noticia do Publico. Uma parte da noticia é "Colin Powell acredita em provas anedóticas". Ou então quer fazer de nós parvos.

Certo que ele é Americano. Mas a decisão dele afectou o mundo inteiro.



Referências:


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Sobre o Neo-Ateísmo

Neo-ateísmo é uma expressão inventada pelos crentes para designar o movimento ateu que ganhou visibilidade depois do 11 de Setembro.

Na realidade não existem neo-ateus. Existem ateus. A unica diferença que poderá ser encontrada entre um ateu e um neo-ateu, é o facto do neo-ateu dizer o que pensa e o ateu manter-se quieto e calado. Não existe nenhuma outra diferença filosófica, cientifica, artística, o que quiserem.

O neo-ateu, apenas diz abertamente que não existem deuses, que mesmo que existissem não tínhamos maneira de saber o que eles querem e que é um disparate justificar acções ou leis com base naquilo que Deus quer.

O ateu pensa o mesmo. Mas não abre a boca. Esses, dizem os crentes, são os verdadeiros, velhos e bons ateus. Existem mesmo crentes que não se importam de dizer que contra os ateus não têm nada. Apenas contra os neo-ateus. Mas não há nada que possam apontar ao dito neo-ateísmo para além de palavras contra crenças injustificadas.

Talvez tenham razão num ponto. Poder exprimir o que pensamos acerca de deuses é uma liberdade muito recente e em alguns países ainda nem sequer existe. O neo-atéismo nesse aspecto é realmente novo.

Os ateus já andavam aí há uns tempos. Mas foi preciso um disparate como o 11 de Setembro para transbordar o copo. As ideias religiosas tem de ser discutidas tal e qual como as outras. O postulado dogmático de que não se pode discutir religião tem de ter os dias contados. É preciso justificar as nossas acções e regras de acordo com o que elas representam na realidade e não na suposição do que diz ou quer um deus que, na melhor das hipóteses, não tem uma linha de comunicação livre de ambiguidades com a espécie humana.

Porque se tudo o que conhecemos pode ser explicado sem precisar de dizer que tem intencionalidade, isso quer dizer que deus, a existir só tem duas hipóteses e meia. Ou não tem vontade própria, e não será um deus no sentido religioso da palavra ou não quer ser encontrado. E se não quer ser encontrado quer dizer que não há nada que dele possamos saber.

A hipotese de que há pessoas que por auto conhecimento conseguem saber o que deus quer é ridicula, perigosa e amoral. É só meia hipotese de tão tola que é. É apelar para que consideremos que existem uns tipos iluminados que podem saber o que deus quer, enquanto que os outros que se preocupam como justificar as coisas, ficaram sem acesso a essa informação. Informação essa que costuma ser contraditória e mesmo incorrecta. É caracterizada pelo apelo à credulidade sem justificação. E isso tem de acabar. Até porque deus não quereria que acreditassemos em tudo o que  alguem se lembra de dizer que Ele quer pois não? E com tantos a dizer que sabem o que Ele quer, como poderiamos escolher, se Ele opta por não dizer a todos que existe sequer?

Neo-ateísmo é isto? É colocar estas questões e exigir racionalidade nas nossas escolhas e crenças? É dizer isto publicamente?

Então que assim seja.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Saber dar curvas com motas. Tomar consciência da contra-brecagem.

A maior parte de nós que sabe andar de mota ou bicicleta pensa que sabe como se faz para dar uma curva.

Puxa-se o manipulo do lado para o qual queremos virar para nós e acompanhamos a inclinação. Certo?

Errado.

Embora isto seja o que estamos convencidos que estamos a fazer, não é em nenhum caso verdade. A baixas velocidades as manobras reais passam despercebidas, mas são assim:

1- primeiro é preciso puxar o punho do guiador do lado oposto ao da curva para nós. Esta acção é necessária para criar a inclinação da mota ou bicicleta para dentro da curva. 
2- Agora sim, puxa-se o punho do guiador do lado para o qual queremos virar para nós, na medida da inclinação que criamos anteriormente.

Parece contra-intuitivo, mas na pratica fazemos isto sem ter consciência. Utilizamos as pequenas correcções de equilíbrio para fazer a contra-brecagem   de tal modo suavemente que não temos o acto consciente. Em baixas velocidades e sobretudo nas bicicletas isto não representa um problema. Apenas é preciso fazer a contra-brecagem durante cerca de meio segundo.

Os problemas surgem quando os motards vão já com alguma velocidade e/ou precisam mudar de direcção numa emergência. Nestes casos, seja numa recta ou seja mesmo durante uma curva, é preciso saber realmente o que fazer para conseguir mudar a trajectória actual da mota.

Só vamos conseguir virar mais ou virar de todo se inclinarmos a mota para dentro da curva. E precisamos de usar o guiador para o fazer, virando no sentido oposto por uns instantes. Só com o peso do corpo não é possível (quando atiramos o corpo para um lado, temos de atirar a moto para o outro. Temos sempre de recorrer ao volante se queremos criar uma inclinação duradoura de moto+corpo)*.

Saber fazer correctamente a contra-brecagem (virar no sentido oposto para iniciar uma curva) está notavelmente ausente entre os sinistrados com motas (ver relatório Hurt na bibliografia).

Portanto e resumindo, surgem problemas quando:

1 - Não há espaço para virar no sentido oposto (contra-brecagem). Pode estar lá outro veículo, um "rail" de protecção, etc. É um problema frequente para os pilotos de competição quando lutam roda-a-roda.
2 - O condutor da mota não sabe o que fazer. Seja porque vai demasiado depressa, seja porque precisa de mudar de direcção com brusquidão. O processo é contra-intuitivo e não é algo que uma pessoa aprenda a fazer durante a emergência.

Por isso, devemos evitar as situações anteriores. A primeira com juízo e a segunda com treino - é algo que se ensina nas escolas de condução de segurança nas motos. Para que o assunto não seja esquecido é proposto o "mantra" :

- "Para virar para a esquerda empurra com a mão esquerda, para virar para a direita empurra com a mão direita. "

Espero que este post possa ser útil embora deseje realmente que ninguém se meta em sarilhos para começar. Mas a verdade é que para não nos metermos em sarilhos temos de ter uma ideia de como eles são. Quando tirei a carta de mota ninguém me ensinou isto. No entanto é apontado como uma causa de acidentes de mota -  as pessoas vão em frente por não conseguirem virar em momentos de emergência ou mesmo por irem demasiado depressa e não contrabrecarem o suficiente.

Creio no entanto que para saber usar este bocadinho util de informação é preciso treinar o reflexo de curvar. Provavelmente só saber que se tem de fazer não chega. Tem de se saber fazer mesmo. E para isso o ideal são cursinhos... Mas reconhecer os nossos limites já é qualquer coisa.


Bibliografia:

Hurt Report: onde se pode ler também que a maior causa de acidentes de mota é... Não terem sido vistos pelos condutores dos automóveis:
http://www.ct.gov/dot/LIB/dot/Documents/dhighwaysafety/CTDOT_Hurt.pdf

Segurança nas motas:  http://en.wikipedia.org/wiki/Motorcycle_safety#Countersteering

Só sobre "countersteering":  http://en.wikipedia.org/wiki/Countersteering

Video sobre contra-brecagem: http://africatwinpt.forumotion.net/t421-tecnicas-de-conducao-countersteering-swerve-contra-brecagem

* Li algumas discussões (por exemplo: http://forum.clubedeauville.pt/index.php?topic=1235.0) sobre a contra-brecagem em foruns de motociclistas (e vejo que são poucos os que falam da técnica e que até têm medo de ser gozados). Além disso cometem um erro que deve ser divulgado. A contra-brecagem  não é uma alternativa a outra tecnica. É a unica maneira de curvar numa moto, porque não há outra maneira eficaz de inclinar a moto. Como expliquei acima, a baixa velocidade, o fenomeno pode passar despercebido no meio de vários ajustes com o equilibrio do corpo e com o guiador. Mas é assim que se faz 99,9% do tempo, excepto numa bicicleta talvez quando queremos curvar para o lado para onde estavamos a cair.

A parte importante de explicar é que quando viramos para a direita a mota inclina para fora como um carro, para a esquerda. Se não lhe parece que é o que acontece tem de ir estudar o assunto.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Os blogues estão a morrer.

Depois de um ritmo de crescimento explosivo há uns anos atrás, o numero de novos blogues tem vindo a diminuir marcadamente. Cada vez há mais blogs abandonados e ou a fechar.

O Facebook tem sido apontado como a causa principal. Pode ser. Mas são coisas diferentes. Eu penso que ainda haverá espaço para o blogue durante muito tempo.

Embora seja possível, o Facebook não  está formatado adequadamente para apresentação de textos grandes. Sejam para comentários ou desenvolvimento principal de um tema. Funciona muito melhor para partilhar opiniões, ideias, etc, sem a preocupação de uma explicação lenta e detalhada de uma ideia.

Trocar ideias é excelente. Manter o contacto com uns simples comentários idem. O ser humano é um animal social.

Talvez o Facebook ou o Twitter  seja o que imensas pessoas que iniciaram blogues realmente queriam.

O Facebook proporciona um mural sempre em evolução pois há sempre alguém a dizer qualquer  coisa. É como se fosse um blogue informal, sem tema, sem regras (quase) em que a união dos autores é feita pela amizade e não por terem um tema especifico que queiram debater ou divulgar. E eu acho isso óptimo. Mas isto não é o que os blogues têm de melhor para dar. Os blogues podem ser sobre a amizade e até ter 100 autores. Mas para isso, agora há o Facebook.

Por estas razões, creio que o numero de blogs activos está de facto condenado a a um crescimento negativo. Estão a perder utilidade bruta por a concorrencia marcar pontos em determinadas areas.

Mas também por estas razões, penso que o formato está agora a ganhar definição. Mais do que um nicho, como alguns noticiam, os blogues poderão evoluir para um formato de discussão e divulgação de qualidade, onde sabemos onde encontrar quem e o que esperar de cada blogue. Facilmente podemos após ler um post de um blog procurar saber o que pensa o autor sobre assuntos relacionados e como articula esses conhecimentos.

Embora os forums sejam de excelente formato para a discussão, melhor talvez que um blogue, são algo descaracterizado do ponto de vista da divulgação e da apresentação de ideias. Os temas aparecem dispersos, de qualidade variável, e prestam-se mais a questões pontuais em que se procura uma resposta especifica.

A divulgação de ideias, seja de ciência ou não, beneficia da existência de uma unificação de conteúdo e de um estilo consistente e próprio. Isso são coisas em que o blogue bate um forum aos pontos, mesmo apesar do seu formato de jornal. Afinal o blogue sempre é uma apresentação informal. Os forums depende (penso que o forum é o formato ideal para uma discussão formal, embora isso na practica seja raro).

É como se fosse uma conversa de café em que temos tempo extra para polir os argumentos, verificar os factos, mas sem perder a informalidade e o carácter de conversa pessoal. E onde podemos manter um raciocínio que liga várias coisas diferentes.

O facebook  e os forums são tambem conversas. Mas o blogue, colocando-se entre os dois, reune as suas vantagens próprias. Permite uma conversa mais complexa que o facebook sem perder a personalidade dada pelos participantes que é o ponto forte do facebook - que é realmente acerca dos participantes, muito mais que das ideias.

Eu penso que estes pontos que foquei são os pontos que um blogger deve ter em mente nos dias de hoje, enquanto pensa se vais escrever o próximo post ou não - e penso que alguns nem põem essa questão a nível consciente, pura e simplesmente deixam ir... Eu quero que sim, que continue a haver muitos blogueiros. Detestaria ver o formato morrer.

Mas se não houver uma afirmação da comunidade sobre o que é um blogue e da sua importância -  se não se mostrar a pertinência destes tais textos longos e maçudos, e da facilidade de haver uma boa discussão, então o formato vai mesmo ficar apenas um nicho.  Os bloggers têm de saber o que querem e optimisar as potencialidades e a vocação do formato "blogue". Que ainda fazem sentido.

Estes são os meus pensamentos sobre o assunto.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Quantas dimensões precisamos para descrever o universo?

Tenho imensos leitores que vêm aqui parar para encontrar a resposta à questão "quantas dimensões tem o universo"?  Por isso decidi fazer um post sumário sobre isso:

De acordo com a teoria das cordas mais completa, a Teoria-M, cuja prova ainda não surgiu são 11 (eu aposto nesta resposta).

Só nos dizem respeito 4 dimensões. As outras serão mínimas para que as vejamos e segundo os físicos estão enroladas algures.

As dimensões que nos dizem respeito directamente são 3 de espaço e uma de tempo. Só medimos o tempo numa direcção, excepto em fenómenos quanticos em que as observações têm efeitos retroactivos instantaneos.

Existe ainda uma hipotese, (baseada também em teoria das cordas) de todas as nossas dimensões de espaço serem projecções de uma realidade num plano - é o Universo Holograma.

Para saber mais seguir as etiquetas em baixo:

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Stephen Hawking's and Leonard Mlodinow "The Grand Design" book review.

Que não haja duvidas. Este livro é sobre o ateísmo. Vem reforçar o que muitos já  andam a dizer há muito tempo que é:

Deus não tem lugar no universo.


Em poucas páginas e começando com a história do pensamento cientifico, Hawking  e Mlodinow argumentam que a aparente organização do universo é a esperada para qualquer observador inteligente com vida baseada em carbono. Não ser de esperar outra coisa, é também o argumento teísta, que vê nisso sinais de intencionalidade na criação. A diferença é subtil mas com consequencias drásticas.

Para além de desmistificar a aparente organização do universo, apresentando argumentos como eu já fiz (1) de que ver intencionalidade na organização é uma tendência humana, os autores explicam como é que sabemos que interpretar essa organização é um erro que contraria a própria ciência que permitiu chegar aos valores que sugerem afinação. Afinação das constantes e das leis naturais para que possa haver vida. Aquilo que é conhecido como argumento do "fine tuning".

Em poucas palavras, ainda menos do que no livro, vou tentar explicar:

Sabemos que algures na história do universo, este teve um tamanho em que a mecânica quântica é que o regia, já que era mais pequeno que um átomo. Sabemos também que nessas condições, não precisamos de um criador (2). Na realidade é de esperar que a auto-criação esteja sempre a acontecer a nível quântico. Mas se se aplica a mecânica quântica, e as previsões feitas por esta teoria estão surpreendente bem confirmadas, então temos de explicar o funcionamento actual do universo de acordo com o que diz a mecânica quântica. A maneira matemática de explorar isso é através da reformulação de Feynman. É o que se chama "soma das histórias". Isto é, para cada entidade quântica, temos de contar como reais todas as histórias possíveis para essa entidade, e em que essas histórias possiveis interferem umas com as outras produzindo um resultado final que é a soma dessas histórias. Ou seja, os vários acontecimentos provaveis interferem uns com os outros porque têm de ser tomados como sendo todos reais, como se para uma entidade tudo o que pode acontecer com ela acontecesse ao mesmo tempo.  Por outro lado quando se faz uma observação, em qualquer momento do percurso de uma entidade quantica, estamos logo a eliminar uma data de históras possiveis que passam a não ter acontecido. O tempo comporta-se como se fosse espaço e a direcção da causalidade dá para os dois lados. O presente afecta o passado. E isto está demosntrado em mecanica quântica. E o universo neste caso é uma entidade quântica.

Por isso a teoria prevê que uma data de universos com leis diferentes tenham de ser assumidos como reais enquanto ele estiver em dimensões quanticas. E tal como a teoria prevê, se estamos cá como observadores desse universo, é natural que só vão contar para a soma das histórias do nosso universo aquelas em que é permitido que nós apareçamos. Isto é a prova cientifica do princípio antrópico fraco (1). O universo em que estamos é como é porque se não fosse não era o nosso universo. Era outro qualquer. Que é igualmente possível e real. Mas não é este em que o leitor lê estas palavras. Pelo simples facto de cá estarmos para fazer essa observação. Para quem isto estiver a fazer confusão deixem-me então explicar outra vez (3) que em mecânica quântica o presente altera o passado. Literalmente. Quando se faz uma observação, tudo o que aconteceu até esse momento é limitado por essa observação. Todas as histórias possiveis são reais mas são eliminadas aquelas que não contribuiem para o resultado obtido com a observação. De tal modo que é como se essas historias possiveis nunca tivessem acontecido. No entanto à partida sabemos que são possiveis. Algures deve haver outros universos a "pular" com histórias diferentes.

Ajudou? Se não ajudou proponho ler não só este livro como "O universo elegante" de Brian Green.

Outra parte importante do livro é a explicação de porque é que podemos usar a mecânica quântica e a relatividade ao mesmo tempo para chegar a esta conclusão mista - a parte de um universo que se contrai conforme andamos para o passado vem da teoria da relatividade. E esta parte da soma das histórias é da mecanica quantica. E sabemos que se as tentarmos conjugar uma com a outra o resultado é infinito. Não dá. Então como fazemos isso?

É porque existe uma Teoria-M que é na realidade um aglomerado de teorias, que unifica consistentemente os resultados destas teorias. Esta unificação é resultado da abordagem matemática conhecida como teorias das cordas, onde das cordas já passamos para membranas e outras coisas mais complicadas. A Teoria-M deixa que usemos modelos diferentes para problemas diferentes porque os modelos sobrepõem-se e nessa zona de sobreposição são completamente concordantes. O que não acontece com a mecânica quântica e a relatividade que sem esta integração o resultado da sua combinação e infinito. A Teoria-M ainda não está cientificamente provada, apesar de ter já o nome de teoria. Porque o grau de certeza que temos nela é tão elevado como em outras teorias. Para aqueles que considerem que a filosofia tem o mesmo grau de certeza que a ciência nas afirmações, então devem ficar satisfeitos com ela porque a lógica e a matemática que a suportam são de alto nível. Para outros como eu, que precisamos de ver as confirmações cientificas ou saber das demonstrações matemáticas completas, falta ainda só um bocadinho. Mas é claro para mim, mesma que ache que ainda falta um pequeno passo para poder escrever o meu post intitulado "O fine tuning refutado", que esta explicação está a anos-luz da qualidade de qualquer outra. É a melhor explicação que há para tudo o que conhecemos. Disso não tenho duvidas.

Para o Stephen Hawking não falta nada. ( E eu fico um bocado atrapalhado por ser ainda mais céptico que o Stephen Hawking, mas é assim a vida). Para ele, esta é a teoria de tudo. E afirma-o categoricamente. Explicitamente, para que não restem duvidas. E também diz explicitamente que a ciência diz que Deus não existe. Continuar a insistir no oposto no contexto actual do conhecimento humano só se deve à vontade dos crentes. Só se deve a uma crença apaixonada em algo que não tem justificação racional  e é até contra o conhecimento cientifico. Só se deve a Fé. Mas Fés há muitas (não faltam aí e o livro aponta umas quantas), o que é dificil mesmo é descrever a realidade sem deixar que a nossa vontade atrapalhe a visão (4).

Mas se bem que a observação que fazemos no universo condicione as leis com que ele teve de evoluir desde o Big Bang, a Fé só por si não faz aparecer as coisas que nós queremos como diz aquele livro idiota chamado "O desejo".

Que recomendação dar deste livro? Para quem quiser saber em vez de palpitar ou escolher postulados é de leitura obrigatória. Para quem já sabe tudo o que lá está escrito, é também uma história excelente. Uma que já sabemos o fim, mas que não deixa de ser uma das histórias mais fantásticas que há. A do nosso próprio conhecimento. Para mim o livro foi o que os anglófonos chamam "a page turner". Só parei de ler quando acabou, mesmo se as pestanas já pesavam.



Notas e referencias:



(1) O argumento do "fine-tuning desmistificado":
http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/03/o-argumento-do-fine-tuning.html

(2) De uma flutuação quântica nasceu o universo:
 http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/09/criacao-partir-do-nada-e-radiacao-de.html

(3)Sobre a mecânica quantica:
 http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/09/sobre-mecanica-quantica.html

(4) O mais cego é aquele que não quer ver: (ainda não escrevi neste universo).

Nota: Eu ainda considero que a teoria da evolução ao mostrar como coisas mais complexas podem emergir de outras mais simples desde que haja energia suficiente, tal como comprovado por Prigogine, justifica satisfatóriamente qualquer organisação em qualquer aspecto do universo.

Nota 2: Os autores consideram, tal com eu tenho vindo a argumentar neste blogue, que mesmo na ausencia deste conhecimento actual, que recorrer a um deus para explicar a criação não leva a lado nenhum. É só substituir um mistério por outro. Se temos de aceitar que algures há algo que  não precisa de criação é uma explicação muito mais simples dizer que o universo se auto-formou.

Nota 3: Provavelmente vai haver uma data de gente que não vai perceber nada disto e vai continuar a acreditar em deus. É a vida. Mas a tese de que a ciência repudia a existencia de deus está mais que bem fundamentada. Este livro sucede-se a outros de uma série de autores que arriscaram o seu "conforto"  quer académico quer pessoal para denúnciar que o rei vai nú.

Nota 4:  Para nós não há deus. Nem grande. nem pequeno. É contra tudo o que se sabe. Mas se a possibilidade de se formarem universos é infinita e as hipóteses são infinitas então temos de assumir que pode haver um universo que é uma sucessão ainda maior de acontecimetos ainda mais extraordinários!  Extranhamente, e porque parece-me que não há nada que o impeça, na auto-criação pode emergir expontaneamente uma entidade "tipo-deus", poderosa até ao limite da lógica e autoconsciente. Uma que no seu universo poderia por e dispor. Sabemos no entanto que isso não aconteceu neste. A não ser que essa entidade faça tudo para que tudo se passe como se não existisse, e mais do que isto não pudesse ser imaginado sequer.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ciência e filosofia.

O que separa a ciência da filosofia é que a ciência é limitada pela realidade.  Tudo o que diz tem de ser de algum modo testado nessa realidade. Modelos têm de corresponder a medições.

Isto é uma garantia sobre o grau de confiança que se pode por numa afirmação cientifica. A não ser que tudo seja uma miragem. Mas sobre isto vemos mais à frente.

Ambas são raciocínio sério e especulativo sobre o que é ou pode ser. Mas as conclusões da ciência não se ficam só por aí. Têm de ser provadas. Se falam sobre a realidade então têm de ser provadas na arena da realidade.

A filosofia ainda se preocupa com o que deve ser, mas aí vai haver sempre uma escolha algures, o que torna dificil dizer qual a melhor resposta. Iden aspas para questões em que haja demasiadas variaveis a ter em conta.

O que está escrito acima não deve ser intrepertado como querendo dizer  que a filosofia não tem de provar ou demonstrar o que diz. Apenas que não tem a preocupação de o fazer para além do plano racional, do pensamento. Isso é importante, sobretudo para coisas que sejam dificeis de testar ou impossíveis, quer por falta de tempo, e com os engarrafamentos de hoje em dia isso é um problema pertinente, quer por ser impossível. Mas só por pensamento os erros são difíceis de encontrar. De facto a filosofia é mais famosa pelas perguntas que pelas respostas.

Na prática, a ciência e a  filosofia são separadas pela certeza com que algo sobre a realidade pode ser afirmado como verdadeiro. Não que a ciência produza afirmações sobre tudo mas porque sobre tudo o que produz afirmações requer um grau de rigor elevado. Porque ciência exige que as afirmações sobre a realidade sejam sustentadas por essa mesma realidade, do modo mais directo possível e além disso estuda o melhor método de o fazer.  A ciência exige ainda que a sua biblioteca não se refute mutuamente. Tem de ser consistente. Só deixando hipoteses em aberto é que se pode admitir que elas se refutem mutuamente. Mas a ciência procura fazer afirmações que se possam testar, ainda que esteja condenada a ter de ultrapassar esse obstaculo mais tarde ou mais cedo. Mas para já tem sido assim.

Isto não quer dizer, que tal como a filosofia, a ciência não se debruce sobre o como as coisas podem ser. A Teoria-M diz aliás que neste momento a ciência não tem outra alternativa. A Teoria-M obriga mesmo a explorar a realidade num contexto em que é preciso contabilizar também como as coisas poderiam ser de outro modo. Já que as probabilidades à escala quantica interferem umas com as outras e o nosso universo é apenas um de vários possiveis.

Mas voltando atrás, esta compulsão com a verificação empírica, é como disse, em termos funcionais o que difere mais fortemente entre as duas formas de conhecimento. Em filosofia, um raciocínio é aceite desde que seja racional desde uma ponta até à outra. Só que o raciocínio não pode sustentar o raciocínio e perante a constatação das limitações cognitivas humanas, o cientista vai procurar refugiar-se na pesquisa experimental.

A evolução da maneira de extrair dados da realidade para desenvolver hipóteses e testar afirmações, evoluiu tanto em tantas áreas nos últimos anos, que só consegue desenvolver o melhor método numa determinada área quem seja um especialista. A epistemologia cientifica, no momento actual, procura uma maneira de fazer observações que sejam evidencia da existência de um numero infinito de universos paralelos, com os quais não temos qualquer ligação. Apenas sabemos da existência deles por propriedades do nosso.

Se me disserem que no fundo de tudo alguns dos príncipios epistemológicos básicos ainda são os mesmos, eu aceito. Sem problemas. Se me disserem que nasceram na filosofia, idem. É um facto. Toda ou quase toda a ciência começou por ser um dia filosofia.

Aristoteles formulou aquilo que é conhecido como "a lâmina de Occam", Laplace formulou a famosa frase "afirmações extraordinárias requerem provas extraordinárias" e desde os tempos mais antigos do pensamento que aceitamos que mesmo que não saibamos tudo, há respostas que podemos considerar melhor que as outras. Toda a matemática, se baseia nisso. Na realidade, bastou a percepção que sem critério de verdade não se pode saber nada, mas se houver a aceitação que há afirmações que estão mais em concordancia com evidencias que outras, então temos um critério de verdade.

Os princípios referifos anteriormente são filosofia ou ciência? Eu acho que já foram filosofia, mas com os resultados em consonância com as previsões, passaram a ser ciência. Por como tenho insistido, é só isso que as distingue. A hipótese de construir conhecimento sobre a realidade a partir da sistematização e integração da informação que conseguíssemos extrair dela, deu  os frutos que deviam dar se esta fosse uma boa hipótese. E só não podemos admitir que temos mais respostas para mais perguntas hoje que há séculos actráz se negarmos que existe um critério de verdade ou seja se negarmos que não há respostas em que podemos ter mais confiança do que outras. Mas isso vai demolir ambos os sistemas, não só o cientifico.

O que prova a ciência não é a filosofia. É a própria ciência, ou melhor, o teste cientifico. Porque temos de admitir que gerar hipóteses e pensar na maneira de as testar é trabalho do cientista, se bem que seja algo que é practicamente indistinguivel em filosofia. Temos de admitir que quaisquer pressupostos em que acente a ciência, tais como que a realidade existe ou que a realidade é inteligivel, tem tanto de filosofico como de ciêntifico. Estes pressupostos estão muito mais próximos de ser caracteristicos da ciencia do que filosofia. Mais uma vez a questão  está... Na próximidade assumida com o mundo empirico.

Se me disserem que isso é um ciclo vicioso na mesma, eu respondo que por aí - com essa critica - não vamos a lado nenhum, que o pensamento humano se suportará sempre no pensamento humano, até que um de nós se transforme num sapo. E mesmo nessa altura não estou a ver que grande coisa isso possa dar. A verdade é que não há saída do balde, (na famosa alegoria do cérebro a boiar num balde, em que tudo o que experiênciamos nos é "injectado" por uma entidade super potente). Nem filosofia, nem ciência têm resposta absoluta para o solipsismo. Ambas têm respostas parciais. Mas isso é outra história.

Isto quer dizer que a filosofia morreu, como diz Stephen Hawking no seu ultimo livro? Ou como dizia Feyman, que a filosofia precisa tanto da ciência como os pássaros da ornitologia? Eu penso que não. Sinceramente. Nem que todas as respostas que temos vieram da ciência, como dizia Russel. Isso é porque Russel só admite como resposta algo que tenha o rigor da ciência. Se quer rigor cientifico tem de se socorrer da ciência. Mas ainda não sabemos repostas para tudo com rigor cientifico, e é preciso tomar decisões em tempo real e precisamos de fazer escolhas. Como conhecimento, essas respostas serão mais fracas,  mas poderão ser consideradas respostas na mesma, desde que sejam consistentes com tudo o resto que sabemos ser verdade. Não existe melhor caminho para avaliar isso que recorrer a ferramentas filosóficas. Que no fundo são também cientificas, provadas pela experiência sistemática e cepticismo coerente.

Há realmente toda uma extensa área de terreno misto entre a ciência e a filosofia. Pricipios básicos como os que referi anteriormente são actualmente exemplo disso. O pensamento crítico é uma parte substancial do pensamento cientifico e no entanto foi possível lá chegar apenas "pensando", ainda que seja de facto construído sobre questões empíricas, sistematicamente testáveis. E que, muito imporante, se pode demonstrar na pratica. Tal como a matemática. Só no dia em que 2 maças mais uma sejam 3 é que a coisa treme.

Na prática a filosofia permite construir raciocínios longos, encaminhados logicamente. Mas basta haver uma hipótese negligenciada, uma pequenina falha lógica num pequeno passo para um erro ser amplificado várias vezes nos seguintes. Como naquelas contas no ensino secundário em que um erro numa virgula a meio do exercício e depois o resultado já dava completamente diferente e andavos às turras para ver o que deu torto. Mas na filosofia não há um sistema de regras formal no qual possamos confirmar o resultado, ou sequer uma tabela de conclusões para verificar a nossa. Na prática, a filosofia está cheia de enganos geniais. De coisas que fazem tanto sentido que só por azar não são reais. Mas quando o que conta é a veracidade de uma afirmação, temos de ter mais ferramentas. E a melhor maneira de ter uma tabela com repostas é tentar ir busca-la à natureza.


O que o cientista faz na maioria das vezes não é diferente do que faz o filosofo. Enquanto anda ali às voltas a tentar criar uma hipotese a partir dos dados, uma que preveja dados futuros, está a fazer algo muito parecido com filosofar. Talvez seja um pouco mais livre nesta atividade (os filosofos dirão trapalhão?) porque sabe que pode sempre experimentar para saber se a hipotese era boa, em vez de ter de a repensar uma data de vezes à procura de falhas lógicas. Lamentavelmente, eu sei que na faculdade não ensinam aos futuros cientistas a pensar, pelo menos na maioria dos cursos, e por isso o trabalho da ciencia ainda é compensado com força bruta, ou seja, colocando muitas hipoteses para testar, e pelo génio ocasional. Mas em suma, ambos têm actividades parecidas,  excepto quando o cientista mete as mãos ao trabalho e vai tentar testar a teoria. Às vezes nem é preciso tanto. Para Einstein nunca foi preciso ir para o laboratório, bastou-lhe esperar um eclipse para poder fazer a primeira de muitas provas para a relatividade. Hoje qualquer GPS é uma prova em tempo real da teoria da relatividade.

A própria lógica e a matemática têm as suas conclusões baseadas na experiência empírica daquilo que é tido como facto. Teoremas matemáticos que demoram tempo a demonstrar que afinal continuam a ser apenas conjecturas não falta aí.

O cérebro humano falha. As ferramentas não são perfeitas. E mesmo depois de tudo confirmado, filósofos da ciência continuam a encontrar comportamentos arbitrários entre os cientistas. E teorias cientificas manhosas. Mas mesmo os filósofos da ciência parece que trabalham como cientistas. Formulam hipóteses e depois vão ver se encaixam no que sabem sobre a ciência. Apenas ainda não funcionam com a sofisticação com que a ciência já funciona, isto é, testando previsões. Ainda estão a tentar explicar apenas o que se conhece.

Mas a ciência não é um sujeito fácil, mesmo para ela própria. Na essência um cientista procura a melhor resposta possível e cada caso é avaliado pontualmente, comparado com as respostas alternativas e todo o processo é realmente um pouco ad-hoc, excepto na concordância que os cientistas têm de que uma teoria tem de ser justificada experimentalmente. No fim do dia o que conta é se explica tudo o que se sabe ou não e se pode ser testada em relação às afirmações novas que produz para a qual ainda não sabemos a resposta. Naturalmente que se entra em conflito com teorias existentes não está a cumprir estes requesitos. Em ciência, desde que se possa justificar que uma afirmação é melhor que outra para explicar os dados empíricos conhecidos, todos (com alguns só precisa de ser coerente claro) ela é aceite. A consistencia também é uma exigencia, mas é algo que emerge destes príncipios.

Não é demais repetir isto: A ciência é efectivamente a procura da melhor explicação possível. Tenha sido sonhada na noite anterior, descoberta acidentalmente na observação do monte de estrume do quintal ou conseguida após 10 anos de tentativa e erro com geometria de espaço curvo. E tudo o que é previsão um dia, vão ser dados passados no dia seguinte. É preciso é que a teoria os explique.

É este o grau de certeza que a ciência exige. Podemos ter mais respostas, podemos até ter respostas que estão certas mas que não estão provadas. O problema é que com a história desastrosa que temos de fazer afirmações racionais que depois se provam erradas como é que sabemos que a resposta está certa? Como é que sabemos que lhe podemos dar determinado grau de confiança? O cientista diz que é comparando a afirmação com a realidade, vendo se o mapa corresponde ao território.

Por exemplo, eu posso dizer que é tudo milagre. É uma resposta consistente e completa. E depois, por exemplo questionar porque é que os corpos caiem? E respoder outra vez milagre. Mas se eu responder que é porque há uma curvatura do espaço-tempo e que por causa disso esta é a observação esperada do que acontece a um corpo em repouso nesse espaço-tempo até que sofra uma aceleração em sentido oposto por causa do chão, não é uma explicação muito melhor? É. Sério que é!  Porque? Porque é especifica para a questão em causa e porque explica mais coisas comparando com a reposta do milagre. Por exemplo porque é que o dito milagre é sempre o mesmo, mecanimente. Com que força actua, etc. E este critério de ser melhor, como o descobrimos? Porque com outros critérios não consiguimos evoluir tanto. Então porque é que é melhor saber mais do que menos? Bem, aqui não sei responder. Mas estou a tentar escrever para os que concordam que saber responder a mais perguntas é melhor enquanto conhecimento.


Os filósofos poderão ficar incomodados com este texto. Não porque eu seja alguém no mundo intelectual, mas porque pessoas que se sentem atraídas pela verdade como alguns filósofos que eu conheci não conseguem deixar passar sem mais nem menos o que eles consideram que é um disparate. Mas antes disso eu quero que pensem no que eu estou a dizer. Que é simplesmente que a ciência é a melhor explicação que há da realidade. E que a filosofia e a ciência partilham muita coisa, tal qual mãe e filha. Mas o que é usado em ciência não faz sentido dizer que é filosofia ou apenas filosofia. E o que é apenas filosofia, se é uma afirmação sobre a realidade, está em desvantagem.

Talvez um dia, quando já se saiba tudo, todas as previsões teoricas possam ser feitas sem precisar de ser confirmadas, mas até lá, a ciência bate tudo

Se não é assim, venham lá as criticas.

Nota: Eu sei que a ciência não explica tudo. Mas nada explica tudo. Nem dizer que a respota é 42. Ou que é milagre, ja que é só passar de um mistério para outro ainda maior. Em vez de ser para um menor.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Esboço sobre a verdade em pinceladas grossas. Ensaio visual.

Isto são gráficos artisticos a representar o grau de certeza que temos nas coisas. Não representam conhecimento cientifico, mas são uma hipótese testável e passível de aprimorar. Estes gráficos têm por conseguinte um grau de fiabilidade muito abaixo do cientifico, talvez aí na zona logo acima do senso comum.

Então é assim:

No primeiro gráfico proponho que os sistemas cognitivos se avaliam em função da completude e consistencia relativamente às coisas que existem. Naturalmente a ciência é a campeão na consistencia e na soma de ambas, perdendo terreno para a filosofia conforme nos aproximamos de uma optimisação da completude. Naturalmente que a pseudociencia é a campeã da completude pois não se ralando com a consistencia e aceitando o milagre como explicação não deixa nada de fora. Podemos ver que o senso comun atinge bons valores em ambas as direcções mas não onde os dois critérios se exigem simultâneamente. Aí só a ciência e a filosofia reinam. A indistinção entre a ciência e a filosofia e entre a filosofia e o senso comum é propositada. É assim que as coisas são.

No segundo gráfico continuamos a encontrar essa dificuldade intrínseca do conhecimento de se separar em gavetas. A boa filosofia - a única para alguns filósofos (já que eu sou um cientista da filosofia, preocupado por saber que filosofia é que funciona e qual não), confunde-se fortemente com a ciência (a verde) e é marcada por aquele lindo azul-mar-das-caraíbas. Há, o mais importante. A linha horizontal, o eixo do X, tem ao longo os sistemas de conhecimento humano dispersos qualitativamente de acordo com o gráfico anterior.
O eixo dos Y é um valor que eu chamo de "conhecimento". É a abstracção matemática para aquilo que nós podemos dizer que é  o grau de confiança que podemos por nas afirmações. Naturalmente, certezas absolutas não existem e o conhecimento humano não toca o topo da escala de certezas, o conhecimento perfeito. Obviamente que a maneira de obter esse conhecimento é desconhecida da humanidade, e ou é uma evolução da ciência ou vai ser uma coisa nova. Não sei. Por isso deixei a branco.

Na pratica, aquilo a que chamamos respostas e a questão de o que é que dá respostas, tem tudo a ver com o grau de confiança que queremos ter nas respostas. A ciência não responde a tudo. Mas as respostas que dá são as melhores. De tal modo que qualquer resposta que seja melhor que uma cientifica que apareça, a ciência devora-a. Não tenham duvidas. O sistema cognitivo chamado ciência é um predador. A matemática está toda engolida (é o verde mais brilhante mesmo junto à faixa branca). Se aceitarmos graus de certeza cada vez mais baixos vamos poder aceitar o senso comum como conhecimento. Apesar de ser pouco completo e consistente. Naturalmente que se formos só um pouco menos exigentes podemos aceitar a filosofia como conhecimento. Mas a filosofia que se confunde com senso comum já tem um grau de incerteza de falta de rigor bastante marcado. É talvez a área da politica e da moral e da ética, onde os resultados do que é melhor demoram muito a ser avaliados e compreendidos. E onde ainda por cima o consenso é de uma importância enorme na estabilidade. As coisas que nós podemos ter a certeza mesmo nessas áreas, são as importadas da ciência. São aquelas em que podemos criar uma ponte empírica racional e lógica entre os dados observados e os desejados.O que nós desejamos é uma escolha. Mas quase sempre no sentido de ser a que nos beneficia mais como sociedade sem correr o risco de sacrificar indivíduos para lá de uma linha de tolerancia que tem vindo a subir com a evolução social.

Russel dizia que a ciência não tinha todas as respostas, mas as respostas que temos foram dadas pela ciência. Eu praticamente estou de acordo. Mas há coisas que são chamadas de filosofia, mas que sã realmente baseadas em empirismo sistemático, e que se confundem com ciência que também dão respostas. Determinados princípios científicos, ferramentas do pensamento crítico, a lógica, etc. Recuso entregar a epistemologia completamente à filosofia. É óbvio que parte da ciência é a abordagem epistemológica que resulta na evolução e diversicação do método cientifico. É mais uma zona azul-mar-das-caraíbas.

PS: se desenharmos um circulo e colorirmos com esta notação que eu dei, o amarelo vai seguir-se ao verde com uma linha difícil de discernir por ser tão fininha em determinadas zonas. A ciência e a pseudociencia em determinados casos são muito difíceis de demarcar como também ilustrado no gráfico completude/consistencia junto ao eixo dos Y. A psicologia de Freud é um exemplo dessa dificuldade - com uma quantidade anormal de postulados que não assentavam em conhecimento rigoroso, faltando portanto maneira de eliminar falsos positivos e sugerindo falta de consistencia.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Amena homeopatetice.

A AMENA é uma associação de proponentes das medicinas ditas alternativas que noticiou assim o evento 10:23 de passado sabado:


"No dia 05/02/2011 está convocada uma "manifestação" espontânea(?), de uma camarilha SEM ESCRÚPULOS e abjecta quanto baste.

Têm como "Objectivo" PROVAR(?) que a Homeopatia é Fraude!

E como o vão fazer?

SIMPLES o método que vão utilizar, reúne a CAMARILHA e engolem em SUPER DOSES(?) de supostos produtos com base homeopática.

E depois nada vai acontecer!

Claro, estão a engolir NEUTROS, ou seja tomam "algo neutro" parecido com os produtos que a Terapêutica Homeopatia utiliza de forma comum e com RESULTADOS.

PUBLICIDADE ENGANOSA e grave pois fazem constar que vão tomar HIPER-DOSES!

Este tipo de comportamentos desviantes tem também remédio na Homeopatia, IGNATIA é o seu nome.

Temos SEMPRE afirmado que estamos PRONTOS para PROVAR a eficácia da HOMEOPATIA.

Tal qual estamos PRONTOS para combater pela HOMEOPATIA.

Utilizaremos todos os meios LEGAIS para este combate.

Temos a Lei 45/2003 para defender e é isso mesmo que fazemos.

Att.

Dr. Fernando Neves

Secretário Nacional AMENA"

Mas não, eram mesmo medicamentos comerciais e abrimos a embalagem apenas na altura. Só eu foi meia caixa mas houve muitos a tomar a caixa toda (13 acho eu).

Tem piada que escrevem tal e qual os defensores da auto-hemoterapia, com textos cheios de maiúsculas como quem não conhece netiqueta.

E meios legais para este combate? Quer dizer que nos vão processar? Não era melhor provar primeiro que a homeopatia é mais que agua e açucar com efeito placebo?


AQUI para mais INSANIDADES desta CAMARILHA:

 http://www.amena.tcpnsa.com/Noticias/Ataque-de-Loucura

e onde se podem ler perolas como:

" O Infarmed é um Órgão do Estado;

DESTINADO EXCLUSIVAMENTE à PROTECÇÃO descarada e paga por todos, dos "Esquemas" da Saúde"

Homeopatetices, o conselho da farmacêutica, e a lista negra.

No sábado, como planeado, fui fazer numero no protesto anti-homeopatia. Depois de muito ponderar e ler mais umas coisas, e não tendo encontrado nenhum artigo sobre resíduos tóxicos ou de fármacos em produtos homeopáticos, nem o que me lembrava de ter lido, considerei que o risco era baixo e participei do mesmo modo que os outros. Tomei uma dose cavalar daquilo, meia embalagem de uma vez, (já que partilhei o meu produto porque ainda custa 10:45), mas ainda cá estou. Às 10:23 como combinado. No resto do mundo seguiu-se a mesmo acontecimento.

Infelizmente éramos muito poucos. Se os homeopáticos tivessem razão esta seria uma poderosa demonstração, mas infelizmente penso que é preciso continuar este tipo de coisas para alertar as pessoas.

Nesse dia, quando comprei o produto, tive em primeira mão a confirmação da nessecidade de explicar o que é a homeopatia e explicar porque não funciona. A senhora farmacêutica que me atendeu, depois de me por o produto na mão começou a dizer como se devia tomar. E como funcionava. Perante a minha resposta de que não funcionava, ainda insistiu que sim e chegou mesmo a salientar que era farmacêutica (WTF!?)  acabando por concluir que se calhar eu tinha uma formação parecida.

Não é tolerável que as farmácias abusem da sua autoridade para vender produtos que não têm eficácia comprovada e não têm plausibilidade nenhuma no mecanismo de acção que propoêm.

É só agua e açúcar. Mais nada. É preciso que as pessoas saibam que é só agua e açúcar. Porque eu penso que muitas quando souberem que aquilo é só agua e açúcar e que não se consegue melhor que o efeito placebo vão tentar gastar o dinheiro em placebos melhores como um chocolate quente ou um filme bonito.

Naturalmente que deixei a farmacêutica saber desta minha opinião. Foi um choque ouvir tamanho disparate ser proferido com tanta naturalidade por uma pessoa que estudou para saber mais que aquilo. Bem sei que um curso superior não transforma idiotas em pessoas inteligentes, mas não deixo de ficar pasmado. Claro que ela podia estar apenas  a seguir instruções, mas o problema mantém-se.

Eu sugeria que se fizesse uma lista das farmácias que  para lá de vender medicamentos homeopáticos não se importam de os aconselhar e dizer que funcionam. Sugeria mesmo que essa lista fosse obtida às claras e explicando porque é que a estávamos a fazer. Os dados deveriam ser obtidos directamente do director clínico e não anonimamente. A recusa a responder devia igualmente ser anotada e divulgada.

Creio que o numero de farmácias que assumam a responsabilidade de dizer que a homeopatia funciona vai reduzir muito  se for tudo feito publicamente e à claras. É não só uma oportunidade para o cliente saber do que pode contar numa farmácia em relação aos seus conselhos, como para algumas farmácias se destacarem da tenda de feiticeiro com que algumas não se importam de confundir.

PS: Descobri agora no expresso que o presidente da ordem dos farmacêuticos diz que há medicamentos homeopaticos registados com eficacia comprovada. Não só os medicamentos homeopaticos não precisam de ser eficazes para ser registados (sim, é incrivel) como tal eficacia nunca foi comprovada. Para quem acha que há conspiração das farmaceuticas espero que isto mostre em que sentido ela poderá ser.... Link para o expresso, aqui:

 http://aeiou.expresso.pt/farmaceuticos-contra-ioverdosei=f630172

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Conhecer o que não é mensurável. Parte II



Depois de uma longa discussão(1) com o Arnaldo Vasconcelos na primeira parte deste tema (1), venho a admitir que o exemplo que dei não é de algo realmente e absolutamente incomunicável. É de facto o mais próximo disso que eu consigo conceber – uma entidade sem propriedades físicas definidas da qual sabemos existir porque sabemos tudo acerca de uma outra que a origina.

O Arnaldo argumenta correctamente que há uma ponte fenoménica algures ao demonstrar a teoria que prevê a existência da nossa entidade, ainda que ela não tenha qualquer efeito mensurável no mundo físico. Ela não é mensurável mas não corresponde à ideia de incomunicável que deu origem à discussão. Mas se é assim, então há outras divergências:

A discussão agora, e para aproveitar o ultimo post sobre a cabala (2), é se existe alguma maneira de conhecer que ultrapasse a ponte fenoménica. Ou melhor, se existe alguma maneira de produzir informação assertiva, com algum grau de confiança, sem que algures tenha de ter sido adquirida informação sobre algo que a suporte. Lembrar que qualquer ponte de informação será também uma ponte fenoménica é importante. Algures a informação vai causar algum efeito.

De acordo que dizer que algo é incomunicavel, é à priori dizer que tal conhecimento não é científico. Eles dizem que o conhecimento não vem do mundo dos sentidos, como o cientifico. Então vem de onde e como eles sabem que diz algo acerca da realidade? Isso não dizem. Postulam apenas que determinadas coisas dizem algo acerca de uma plano mistico do universo. Isso não é conhcimento. É postular à toa.

Mas voltando à questão em abstracto:

É que para além de uma posição de agnosticismo, de não ser capaz de formar conhecimento, não existe outra maneira alguma vez proposta de se saber seja o que for sem uma ponte fenoménica algures. O cérebro humano não tem outra maneira de produzir conhecimento. É sabido que uma criança que cresça em isolamento e sem aprender a reconhecer quantidades não vai saber contar. Eventualmente, nem falar, nem pensar. Na realidade existem tribos inteiras sem saber contar para lá de 2. A matemática é conhecimento com origem fenoménica. É uma abstracção da realidade.

Mas para além das questões praticas, mesmo no mundo do postulável, se queremos que o postulavel tenha um mínimo de plausibilidade, não me ocorre outra maneira de conhecer sem transferência de informação. Parece-me mesmo que sem transferência de informação não pode haver conhecimento. É uma questão lógica. ( E já que a lógica tem origem fenoménica - por isso é que nos faz confusão a mecânica quântica dizer que uma coisa está em vários estados opostos ao mesmo tempo, não estamos habituados a isso – é um sistema formal em que com um certo numero de axiomas conseguimos descrever abstrações de fenómenos reais, de tal modo preciso que se constroem maquinas de imitação lindas com tal coisa, os computadores).

Em conclusão, eu proponho que se se diz que pode haver uma maneira de conhecer um incomunicável, sendo que um incomunicável é algo onde não há uma ponte fenoménica algures, é uma impossibilidade não só do ser humano enquanto tal, mas uma impossibilidade lógica.

Teríamos sempre de colher essa informação ou o suporte de tal informação de algum modo. (percepção extra-sensorial estaria incluída em adquirir informação, mas seja como for parece que o numero de sentidos que temos não aumentou ultimamente).

E a partir do momento em que há informação, há fenómenos. E se há informação então há ciência possível.

Postular podemos sempre postular. Mas isso não nos diz nada acerca da realidade das coisas. Nem postular que poderia eventualmente haver uma maneira desconhecida de ultrapassar o incomunicável. Disso não sabemos nada. E o que não sabemos não gera conhecimento. Logo não podemos dizer que talvez haja. Quem diz que não há conhecimento sobre esta questão também não me pode contrariar a dizer que não há outra maneira.

(1) http://cronicadaciencia.blogspot.com/2011/01/normal-0-21-false-false-false-pt-x-none.html
(2) http://cronicadaciencia.blogspot.com/2011/02/e-agora-para-algo-completamente.html

E agora para algo completamente diferente: A Cabala.


Este video apareceu-me à frente na minha página do "facebook".

Tipicamente, alega que há algo que só eles sabem e que o sabem há milénios. Dizem que existe uma realidade para além da percepcionada e propõem explicar essa realidade através de cursos.

Do apelo à ignorância, segue um apelo à antiguidade. E depois claro, o apelo emocional.

Será que não é óbvio?

Nada sobre a parte mais importante. Que seria como "como" se conseguiu chegar a conhecer tal realidade. Como é que eles sabem aquilo? Como distinguem aquilo de uma fantasia?

Não, só dizem que sabem. Adivinharam, que é o costume. Qual a probabilidade de terem "acertado" realmente no que dizem? De terem adivinhado como é o mundo para lá dos sentidos? É realmente importante que seja diferente de zero? Ou é mais importante que seja estupidamente próximo de zero?

Mais próximo de zero que a probabilidade de acertar precisamente no numero de grãos de areia numa praia sem os contar?

Talvez  o que defina a ciência não seja o método em si. Mas é certamente algo que permite desenhar o método e permite responder à pergunta de porque é que sabemos determinada coisa e com que grau de certeza.

Podemos saber que existem electrões com o mesmo grau de certeza que a nossa chave no bolso abre a porta de casa.

E este é um dos pontos criticos deste blogue. Não é convencer ninguem da "realidade" cientifica. É ajudar a eliminar tretas só pelo cheiro.   :-)

Que eu de cabalar sei muito pouco. E nem quero saber. O que vi já chega.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Homeopatia. Conspiração das farmacêuticas?

Só se meio litro de tinta der para corar todos os oceanos de amarelo... Do princípio:

Os defensores da homeopatia continuam a falar em conspiração por parte das grandes farmacêuticas para explicar a atitude de pessoas como eu ou os activistas que vão fazer a campanha 10:23 já este sábado (ver notas).

Mas isso é tolice. Não só as farmacêuticas podiam todas fazer medicamentos homeopáticos como ainda enriqueceriam com isso. Algo que provavelmente não lhes escapa. Se não o fazem, pelo menos com o nome de marca, é por uma questão de prestígio. Como é que se pode confiar em quem defende algo como isto:

A teoria da homeopatia diz  a que a agua guarda memória das coisas em que esteve em contacto. Por isso diz que pode se diluir milhares de vezes uma solução e que a actividade inicial ainda está presente mesmo quando já só temos agua.

Uma solução padrão de 30X, em homeopatia, significa diluir uma solução em 10 partes e repetir o feito 30 vezes (1).

Ou seja, põe-se uma gota de produto activo em 9 de agua e temos 1X. Tiramos daí uma gota e colocamos em 9 de agua e temos 2X. Até fazer os 30X.

Portanto  2X é uma solução de 1/100 e a solução homeopática 30X é igual a...    1/1000000000000000000000000000000 da solução original!

Isso é igual a 1 litro misturado num oceano com 10 elevado a 30 litros. Que é mais que toda  a agua que existe na Terra! (Terra = 1,35 elevado a 18 para todos os oceanos).

Qualquer pessoa que já tenha pelo menos cozinhado e usado temperos sabe que não há maneira de conseguir mais com menos. Pelo menos no que respeita à intensidade do efeito dos temperos. O sabor, neste caso.

Esta é a trêta que a homeopatia quer  vender. É que diluir 30X uma gota de agua do mar em agua destilada causaria na língua o efeito aumentado da agua do mar. Seria mais salgado na língua, graças à memória da agua e diluição infinitésimal.

Portanto, mesmo que os miasmas que ela se propõe reorganizar existissem, não havia maneira de em tamanha diluição haver qualquer efeito sobre eles.

Não há conspiração nenhuma. Há é bom senso, e pessoas que não são capazes de ficar caladas enquanto uns abusam da credulidade de outros.

E é verdade. 30X nem é o mínimo. Eles usam 30C, 200C, é só fazer render a agua. Em que 30C é igual a 60X.

Claro que os ensaios clínicos que excluam placebo e acaso dizem que não funciona. É apenas o esperado...

(1) http://en.wikipedia.org/wiki/Homeopathic_dilutions

Ver mais em:

http://1023portugal.wordpress.com/2011/01/25/homeopatia-o-teste/

Agredecimentos ao Pedro Homero pelas indicações dos erros. Ver comentários.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Manifestação anti-homeopatia e dilemas da ética céptica.

Tenho estado a pensar participar na campanha anti-homeopatia (1) apesar de ainda não ter conseguido arranjar companhia. Mas a minha consciência insiste que devo ir - a sociedade precisa que as pessoas que fazem parte dela sejam activas. As manifestações são mais que um direito (pelo menos em alguns casos). Não é aqui que está o problema.

O problema é que a manifestação inclui engolir uma data de medicamentos homeopáticos. É esse todo o ponto da questão. Simular uma overdose para mostrar que só com água não é possível.

O problema está em que eu não confio naquela gente, nos produtores de tretas homeopáticas, nem para lavarem os frascos que usam para vender aquilo.

Como é que é suposto confiar que aquilo é o que eles dizem, se eles dizem também que tratam e curam centenas de doenças quando sabemos não têm realmente eficácia nenhuma? Se não se importam de cobrar dezenas de euros por frascos alegadamente só com agua e açúcar sem eficácia terapêutica?

Quem me garante que cumprem normas de higiene, usam recipientes não tóxicos e que não metem mais nada lá para dentro, nem que seja um bocadinho de paracetamol e cafeína para ter de facto qualquer efeito?

Porque haveria de confiar que um medicamento homeopático é só agua e açúcar se todo o contexto é uma aldrabice pegada?


É simples, não confio. De resto, até me lembro de há uns anos ler um artigo que falava em resíduos de metais pesados e outros medicamentos nestas tretas homeopáticas.

Enviei um email à organização do protesto, e responderam-me que estão com a mesma preocupação. Que estariam a fazer uma lista de medicamentos homeopaticos que fizessem justiça à sua palavra para comprar depois na farmácia. Cada um leva o seu. Mas ainda que não me tenham dito como se obteria tal lista, uma vez que andar a testar tudo fica caro, a verdade é que andei a procurar no site da manifestação e não a encontrei ainda.

Se eu comprar um frasco e puser lá agua dentro, na prática estou a fazer um medicamento homeopático, ainda que sem aquelas feitiçarias de bater com o frasco não sei quantas vezes e etc. Mas não seria um medicamento comercial e não estaria a participar realmente da manifestação de mostrar a impossibilidade de overdose com medicamentos homeopáticos comerciais por não haver lá mais que agua e açúcar, precisamente com medo de que haja lá mais que agua e açúcar, ainda que por motivos de falta de cuidado ou aldrabice redobrada.

Estaria realmente a mentir. E a mascarar outra dúvida que sempre tive, que é quem garante que eles fazem o que dizem, já que o que dizem não faz nada.

Para isso não vale a pena ir. Ir sim é para emborcar aquilo ou ficar a ver. E ficar a ver... Para quê?

Sugestões?

(1) http://1023portugal.wordpress.com/desafio-1023/

 PS: Aos organizadores (caso passem por aqui): Eu apoio completamente o que estão a fazer. Como disse, confio é tanto naquela gente para vender agua como para curar  cancro.