quinta-feira, 7 de julho de 2011

"The Fallacy of Fine Tuning" por Victor Stenger

O “fine tuning” é o argumento de que o universo foi concebido especificamente para haver vida, partindo da premissa que as constantes que temos para valores naturais, são não só bem conhecidas, como não poderiam ser outras se quisermos que a vida seja possível. Outra das premissas de que parte este argumento é que a vida será sempre do tipo da que conhecemos aqui na terra.

Isto implica alegadamente a existência de um ser ainda mais organizado e complexo para explicar o nosso universo – Deus. O ”fine tuning” de facto tem sido um dos argumentos a favor da existência de Deus mais usados nos nossos dias.

Victor Stenger, ateu convicto e reconhecido, apresenta neste livro, argumentos que segundo ele próprio não se destinam a provar de uma vez por todas que não há fine-tuning através de provar como se formou o universo – apenas a provar que não temos razões para dizer que há "fine tuning" e que o universo é o que podemos esperar dele sem um “arquitecto” a desenhar. Nas suas palavras, demonstrar que o fine-tuning é uma falácia.

Começa por considerar que a maioria das alegações de fine tuning não são minimamente justificadas e dedica-se a desmontar apenas aquelas que apresentam algum suporte cientifico (alguns autores falam em listas de 36 mas nem dizem quais são especificamente!).

A maioria da argumentação é bastante teórica e requer bons conhecimentos de matemática e fisica para seguir. Este é um livro de divulgação cientifica que roça o livro técnico. Tem no entanto um resumo no fim para quem quiser ir directo às conclusões.

Mas em resumo, encontrando razões diferentes para criticar cada valor dos alegadamente afinados ele apoia-se num conjunto de achados:

- Nem todos os valores seriam manipuláveis independentemente. Alguns não seriam manipuláveis de todo sem que houvesse quebra das regras que sugerem para outros o próprio fine-tuning

- Manipulando valores sem ser um de cada vez podemos “compensar” uns com os outros.

- Alguns valores permitem uma margem de manobra maior que a “anunciada” sem eliminar a hipótese de haver vida.

- Alguns valores não estão bem estimados/calculados, logo não é possível sequer dizer que estão “afinados”,( tal só será possível após conhecer o valor em si.)



Para além disso alega ser plausível que haja vida com outras necessidades bastante diferentes das nossas. E baseia nisso a hipótese de poder haver outros tipos de universos capazes de albergar vida mesmo que não fujamos muito do que já sabemos hoje, isto é, precisamos de um universo complexo, não serve por exemplo um universo feito de protões.

Por fim faz um ataque frontal aos argumentos teológicos assentes em estatística Bayesiana e mostra como manipulando a probabilidade à priori podemos chegar a conclusões diferentes, sugerido que ainda não estamos prontos para usar esse tipo de estatística para avaliar a existência de Deus.

Isto tudo é feito sem sair da física clássica e sem abordar teorias mais extravagantes como a do multiverso ou a teoria das cordas.

Naturalmente que ja existe uma grande contestação à volta dos resultados, com muitos apelos a autoridade à mistura. No entanto a refutação das afirmações deste livro têm de ser cientificas. Esta discussão está definitivamente nesse campo.

O autor passa ainda uma grande parte do inicio do livro a desacreditar a ideia de que possa ter havido sequer um momento da criação, já que, argumenta, o universo não tem um inicio.

Aconselho a todos os que gostam de cosmologia, querem ter discussões informadas sobre a origem do universo e a existência ou não de Deus.

Citações interessantes do livro:

"Na minha visão, a vida é uma propriedade que qualquer sistema suficientemente complexo, não linear, interactivo e dissipativo desenvolverá se tiver tempo suficiente"

"Então o universo começará com entropa ou desordem máximas. Começa com informação a zero. Não tem registo de nada que possa ter havido antes, incluindo conhecimento e inteções de um criador."

"Além disso, mesmo em ciência, em que relações causais foram construidas dentro de modelos durante séculos, nós temos acontecimentos que surgem sem causa. Quando um electrão num estado excitado de energia num atomo cai para um nivel masi baixo, ele emite um fotão (...). Isto é um fenomeno quântico que na maioria das interpretações da mecanica quantica acontece espontâneamente, isto é, sem causa."

"Craig and Sinclair invocam outro tipo de infinito: um infinito de uma extenção medida. O seu teorema acima [que refere o absurdo do infinito como realidade] está correcto. Mas é irrelevante. Enquanto os cientistas são descuidados com o seu uso do termo "infinito" eles não alegam que o universo é infinito em espaço e tempo. Eles dizem que não tem limites."

"contudo a história biblica da criação não tem qualquer semelhança que seja com o Big Bang tal como descrito pela cosmologia moderna. O Génesis descreve uma criação tendo lugar em seis dias há uns milhares de anos. De acordo com o Genesis , a Terra foi creada ainda antes do SOl, a Lua, e as estrelas e tudo num firmamemto fixo. Em contraste, na cosmologia cientifica o universo é descrito saindo do caos por "tunneling" há 13,7 biliões de anos e num universo em expansão, certamente não num "firmamento" em que o sistema solar apareceu há 4,6 biliões de anos, seguido pela formação do Sol e da Terra nos seguintes 100 milhões de anos ou assim."

"doesn´t it make you wonder why He waited 13,6 biliões de anos antes de nos criar a nós?"

"Como veremos a invariancia de gauge foi o mais importante principio fisico descoberto no século XX. Notar que "gauge invariance" é apenas uma maneira bonita de dizer "invariancia em respeito ao ponto de vista""

"De notar que se o universo veio do nada a sua carga total tem de ser zero, tal como esperado se não houve criação milagrosa"

"Em 1949, Richard Feynman mostrou que electrões retrocedendo no tempo podem ser vistos como positrões acançando no tempo."

"Vou fazê-lo para mostrar que, mesmo no caso pouco provavel de existir apenas um universo, o fine tuning não existe, não há fine-tuning, ou seja, o fine tuning é uma falacia de todos os angulos".

Nota: traduzi bilion por bilião e não por milhar de milhão.

PS: Este livro não é uma repetição do ultimo do Hawking, que assenta na teoria das cordas para explicar porque o "fine tuning" não deve ser algo de estranhar. Aqui o Victor Stenger faz um ataque muito mais frontal com fisica muito mais bem estabelecida.

4 comentários:

hmdantas disse...

Um texto pouco esclarecedor (falta de tempo?) sobre um livro que deve ser bem interessante! Ainda assim, despertou-me a curiosidade sobre a obra.
De qualquer forma, alguns comentários às transcrições:

«nós temos acontecimentos que surgem sem causa. Quando um electrão num estado excitado de energia num atomo cai para um nivel masi baixo, ele emite um fotão»

Tenho algumas dúvidas se não se confunde, por vezes, indeterminabilidade com uma derrogação da causalidade. O facto de não podermos determinar a causa do evento significa necessariamente que ele não tem causa? Se assim é, parece-me que não há justificação para que a causalidade não funcione apenas no plano subatómico - e este fiozinho, se puxado, traz a ciência por aí abaixo.

«...Não tem registo de nada que possa ter havido antes, incluindo conhecimento e inteções de um criador"

De que forma é que a matéria e os eventos espaciais poderiam ter o "registo" de "intenções" do criador? E as "intenções" são determináveis?

São apenas alguns tópicos para reflexão. Cumprimentos.

João disse...

Em mecanica quantica sem causa é mesmo sem causa. Do mesmo modo que sabemos as causas de umas coisas, sabemos que em mecanica quantica há coisas que acontecem só porque podem.

E mesmo se isto parece louco, muitas previsões mais loucas da mecânica quantica foram confirmadas empiricamente, pelo que o cerne da teoria é do melhor que já saiu de uma mente humana.

Quanto ao criador:

Podemos ter informação de várias formas, posso imaginar algumas pontes fenoménicas. Mas a questão não é essa. É que seja qual for a forma, não há maneira dessa informação ter chegado até nós.

Quanto ao "pouco exclarecedor", penso que diz o importante, honestamente, mas se puder ser mais especifico, talvez possa fazer melhor para a proxima. Sim, há falta de tempo, mas não é razão para nao tentar fazer melhor.

hmdantas disse...

Pouco esclarecedor apenas no sentido em que não explora a fundo os argumentos dados: o objecto de estudo (a suposta afinação), os argumentos que o atribuem a um design, e os argumentos de Stenger. Para quem não estiver dentro do assunto será difícil perceber do que se está a falar. Mas não é grave, e é um post oportuno por divulgar um livro ainda não traduzido para o português.

Quanto à causalidade, e sem querer insistir demasiado num tema complexo: se há algum evento que começa a existir sem uma causa, ele, de certa forma veio do nada, e não há nenhuma razão para esperar que apareça este ou aquele evento, se não há nada que o determine. Mas quando se observa mais atentamente qualquer fenómeno, percebemos que certos eventos só ocorrem dentro de certas condições, e não ao acaso, dentro de quaisquer condições, e em qualquer momento. Por exemplo, o fotão emitido por um electrão. É preciso, para que ele seja emitido: a) um electrão, b) que esse electrão esteja num estado excitado de energia e c) que ele caia para um nível mais baixo. Podemos não ter uma causa única, mas temos várias condições causais concorrentes. Basta lembrar a quarta regra de Mill para a verificação das hipóteses científicas: quando um fenómeno varia sempre da mesma maneira que um fenómeno antecedente, e sempre nas mesmas condições, é causado por ele.

João disse...

HMD:

Mas não tens um acontecimento ou fenomeno anterior para lhe dar o papel de causa. O estado dele é o suficiente para ele cair... Ou não. Sem causa para uma ou outra alternativa.

A questão é que o electrão passa para um nivel energetico mais baixo sem causa conhecida. Dizemos que ele "tem essa tendencia" mas não sabemos dizer o que faz isso acontecer exactamente. Nao só não sabemos como parece não haver nada que faça isso acontecer. Isso apenas acontece porque pode e com uma frequencia previsivel.

Mas para saber mais terias de perguntar ao Victor Stenger :P

O melhor exemplo que eu considero para isso (não haver causa) é o da formação de pares expontaneos paricula-antiparticula.

Mas na realidade são tudo flutuações quanticas cuja causa é apenas poderem acontecer.