quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Jogos de computador violentos podem aumentar a agressividade. Mas também melhoram algumas capacidades intelectuais...


Os jogos de computador modernos são complexos e exigentes em termos intelectuais. Forçam os jogadores a planear, memorizar localizações e inventário, tomar decisões em pouco tempo, manter índices de concentração elevados e uma capacidade de saber o que se passa no cenário geral da acção. E claro a fazer o famoso "multitasking".

Por isso é de esperar que exista alguma vantagem - no campo da neurologia - de jogar computador.
Mas alguma vantagem é diferente de enormes ou muitas vantagens. E estas têm de ser avaliadas num contexto geral de possíveis contra-indicações.

Para ja sabemos que apesar de imensas promessas de escolas e programas para aumentar o QI, a verdade é que este tem uma heritabilidade extremamente elevada . Por outro lado sabemos que muitas actividades que aprendemos têm pouca capacidade de passar para outras areas, mesmo que algo relacionadas. E o QI é uma medida que se correlaciona fortemente com outras aptidões intelectuais, por isso aqui refiro este facto.

Isto não quer dizer que não valha a pena treinar o cérebro. Existe plasticidade neuronal. Treinar é importante e é até imprescindível. Quem tiver pelo menos o 12º a matemática sabe que não se pode fazê-lo sem treinar bastante os conceitos envolvidos.

O que quero dizer é que devemos ter muito "cuidado" com o que esperamos de determinado treino. E que as alegações de melhoras cognitivas devido a isto ou aquilo devem ser cautelosamente ponderadas e investigadas. Sobretudo se são feitas como tendo um resultado benéfico geral, tipo panaceia.


Por isso, quando recentemente encontrei este artigo da PCWorld intitulado "7 jogos que expandem o seu cérebro" senti os alarmes do cepticismo a tocar, ainda que tivesse vontade de acreditar no que dizia o artigo (eu gosto de jogos de computador e estou sempre interessado em melhorar qualquer capacidade intelectual). O titulo era bom demais para ser verdade. O sub titulo já falava em moderação na quantidade, mas isso ainda é dizer pouco acerca dos problemas envolvidos.

Debaixo deste titulo sensacional, a PCWorld apresentava 7 jogos que em determinadas faixas etárias tinham dado melhorias intelectuais em aspectos muito específicos. Tudo bem. Não justifica a generalização inicial mas podia representar bons indícios. E representam em um ou outro caso. O problema, é que os estudos que vêm referenciados pela PCWorld para justificar a alegação inicial são quase tudo (mas não tudo - ver mais à frente) o que há a dizer de bom para os jogos de computador (e que ja têm suporte cientifico) e não fala dos problemas associados.

De facto, procurei saber se a PCWorld tinha escolhido as cerejas de artigos científicos para fazer o seu texto. E tinha. O seu artigo omitia informação importante acerca dos jogos de computador - e relevantes no contexto geral de avaliar o benefício de jogar. Havia um mundo de cerejas podres à volta de onde aquelas saíram.

Mas este "post" não é tanto a criticar o artigo da PCWorld - se fosse pegaria em cada alegação uma por uma e não no titulo sensacionalista (que sabemos apenas segue regras de marketing). De facto este post é muito mais sobre o que eu encontrei por ir averiguar o artigo em causa.

O que se passa é que a evidência a favor de quaisquer aumentos da capacidade cerebral é ainda relativamente leve, excepto talvez para questões relacionadas com a percepção visual, compreensão espacial e atenção.

Mas isso nem foi o pior.

A parte pior, foi encontrar que de entre indícios de efeitos positivos existem efeitos negativos sugeridos por muita bibliografia (vários estudos e revisões) - a agressividade, vício e menor rendimento escolar - que têm de ser tidos em conta. Não apenas indícios (ver nota 2 em respeito a conflito de estudos). E se levarmos em conta como provados todos os efeitos positivos então temos de aceitar também o que esta igualmente indiciado para efeito adverso.

Como por exemplo tirar tempo de estudo e de sono (mas não tiram o sono, apenas levam os miúdos a querer jogar até tarde) e competir com a dedicação à escola e matérias escolares. Existe uma correlação com pior rendimento escolar (rapazes).

De entre um numero de vantagens que os jogos (no geral) podem trazer existe um numero equivalente de efeitos negativos. Vale a pena aumentar um pouco a rapidez com que se toma decisões se isso tem como efeito colateral mais violência e menor rendimento escolar? Eu acho que não (por exemplo: os jogos que são apresentados no estudo sobre melhor capacidade de tomar decisões são jogos de guerra na primeira pessoa - muito violentos).

Mas adiante.

Não quero também deixar também a ideia que os jogos de computador são o diabo. Jogos não violentos, jogados com moderação, podem ser positivos. Podem ajudar a ensinar, melhorar habilidades especificas, treinar a memoria, etc. E há indícios que sejam sobretudo úteis em indivíduos do sexo feminino.

Mas se calhar não devemos esperar que jogos que são desenhados apenas para entretenimento sejam capazes de aumentar muito determinadas competências. Precisamos de saber mais sobre este assunto para fazer afirmações com um grau de certeza mais satisfatório - neste momento uma série de testes precisa de verificação independente, jogos que apresentaram benefícios devem ser estudados quanto a efeitos adversos, etc. Existem bons indícios, não quero que isso fique enterrado no meio das criticas, mas provavelmente temos de aprender um pouco mais e influenciar um bocado a industria que produz os jogos se queremos amplificar os benefícios enquanto diminuímos os efeitos negativos. Parece-me bastante plausível que tal seja possível.

O Peggle e o Tetris não são agressivos e apresentaram vantagens. Mas e desvantagens? Não sabemos. Quer dizer que não há ou que têm as mesmas de outros jogos no que se refere a dependência e vicio? Eu acho que provavelmente teremos de controlar o tempo de jogo no caso de jovens e crianças, se não vai descambar. Se isso for feito provavelmente não haverá problema. Mas o Peggle e o Tetris não representam o que os jovens andam para aí a jogar!

Em suma, tudo depende do jogo em causa. Esse é talvez o principal factor. Um jogo é apenas um tipo de meio. O que esse meio trás é que faz a diferença. Portanto é preciso começar a estudar cada jogo por si e começar por organizar este "saco de gatos".

Mas o verdadeiro problema actual é que uma grossa fatia dos jogos são violentos e /ou requerem que sejam jogados um numero elevado de horas. Levam as crianças e jovens a querer perder esse tempo com o jogo e não com outras coisas.

Ainda no tema da agressividade, não creio que esteja bem divulgado o grau de certeza com que podemos dizer que jogos violentos aumentam a tendência para a agressividade. Pode não ser em todos os jogadores, mas ou há fraude deliberada nos estudos ou esse efeito existe, ainda que num contexto multifactorial. Convinha pais, reguladores, educadores, etc, terem noção disso. Não sei se têm, mas acho que não. Posso estar enganado. Mas penso que a evidencia a esse respeito é suficientemente forte para crianças e mais nas já de si "problemáticas". Mas temos de pensar em todos. (Sendo uma conclusão tão pouco popular e aparecendo em tantos estudos e revisões (existem também a dar a conclusão errada, mas se bem que sejam muito mais visíveis na comunicação social parecem-me em menor numero e por menos autores que os outros. Um autor parece ser o responsável por toda a divulgação de que os video jogos não fazem mal a ninguém. Adicionalmente, a verdade pode estar no meio. Que a violência em jogos de computador só põe alguns em risco (é consensual que existem crianças susceptíveis e parece-me que se forem jovens o suficiente, todas poderão estar em risco), mas eu acho que isso por si é importante e suficiente para considerar os jogos um factor de risco. Ver nota 2)

No tema da dependência, os jogos" mass multiplayer" são os piores. Isso já sabemos. Mas também aqui precisamos saber mais. Parece que existem empresas que deixam os trabalhadores jogar à vontade no tempo de trabalho. Gostava de saber que tipo de empresas e que tipo de empregados e como é que isso vai acabar.


Nota 1: este post não é mais que um comentário algo longo ao conjunto de referencias que estão em baixo. Aos interessados no assunto, continuem por aí abaixo, é lá que está a melhor informação. Procurei ter as ligações descritas e agrupadas para facilitar o estudo a quem quiser .

Nota 2: Embora tenha tomado conhecimento de estudos conflituosos em relação à violência desde que comecei a escrever o post, pareceu-me que a evidencia para haver um ligação entre jogos de computador e violência era mais consistente com estudos mais teóricos. E estudos conflituosos aparecem sempre. Por outro lado reparei que os estudos que não encontram relação são quase todos estudos que incluem C.J. Fergunson como autor, o que me inclina a dar razão a quem considera haver "bias" nesses trabalhos. No entanto numa segunda revisão considerei o caso menos forte a favor da influencia negativa dos jogos violentos. O meu pensamento actual é o seguinte: Se não houver fraude deliberada, e os autores que chegam sistematicamente a conclusões diferentes (Anderson vs Fergunson) forem apenas vitimas de bias (ambos) é bem possível que estejam a medir coisas diferentes em indivíduos diferentes. Isto é: Nem todos os indivíduos são susceptíveis em igual grau e nem em todas as condições (por exemplo pouco tempo de jogo diário). Para além disso a discordância acerca de como deve a agressividade ser medida pode sofrer o mesmo problema. O que é agressividade para um autor não é para outro, sem que nenhum tenha absolutamente razão. Provavelmente os jogos violentos não serão responsáveis por agressividade extrema mas sim por uma atitude geral pro-violenta. Em resumo, os jogos de computador seriam mais perniciosos em crianças que ja de si são vulneráveis e um pouco agressivas e não em adultos estáveis, assim como seriam provavelmente incapazes de gerar por si só fenómenos de loucura violenta. É neste sentido que eu penso que aponta o conjunto de toda a bibliografia. E é plausível considerar que esse efeito não será uma questão de tudo ou nada, mas um continuo relacionado com outros factores. Não deixa no entanto de ser pertinente o efeito da violência dos jogos nas crianças e jovens. Não iliba completamente os jogos de computador de comportamentos indesejados nos jovens. No caso de adultos estáveis não me parece que os jogos violentos sejam motivo de preocupação.




Referências:


Video Jogos: Quanto mais agressivo pior:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20849041: "a key finding can be demonstrated: the more time students spend on consuming media and the more violent its contents are, the worse are their marks at school",
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19742374

Melhora a capacidade de compreensão espacial em individuos do sexo feminino:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17894600
http://www.biomedcentral.com/1756-0500/2/174/abstract - referenciado na PCworld.

O conteudo é o mais importante (não ´
e se é jogo ou não):
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21338006
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19742374

Util para ensinar:
medicina: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21204720,
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19742374 "educational games may be related to positive outcomes" mas também diz: " Results revealed that time spent playing games was related positively to aggression and negatively to school competence"

Video Jogos tiram tempo de estudo e causam problemas a estudantes do sexo masculino:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20424084

Aumento da agressividade devido a jogos violentos:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20192555 (excelente abstract, muito importante ler).
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17474848 " weak evidence for the assumption that aggressive behavior is interrelated with excessive gaming in general (mas não é nula)" e " an addictive potential of gaming should be taken into consideration regarding prevention and intervention."
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19739057 - " children with ADHD are especially vulnerable ",
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21731788 "A number of risk behaviors, including involvement in physical fights and initiation of alcohol use before age 13, were significantly associated with frequent TV use or frequent computer/video game use, even after controlling for sex, race/ethnicity and grade.",
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16402007,outra review
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20192553,é a review a que se refere o abstract 2019555
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11554666,anderson ,mais antiga.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17914672 - meta-estudo que diz que jogos violentos agressivos não têm provas que causem agressividade, o que esta em desacordo com a maioria dos outros meta-estudos e reviews. Christopher J. Ferguson é o defensor destes resultados. É apontado como jogador pelos criticos e por isso sugeito a "bias", coisa que ele considera o problema nas análises de outros. Considera que a violencia em jogos de computador esta relacionada com a susceptibilidade individual e que só afecta individuos susceptiveis. Parece-me que esta linha não deve ser assim tão bem demarcada e se bem que obviamente deve haver susceptibilidade individual.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21529925: individuos com tendencias agressivas e menor educação procuram jogos violentos.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18977956
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15721477: artigo na Lancet em 2005 considerava a questão bem estabelecida em crianças especialmente rapazes. E é este o foco principal do meu post, ja que penso que adultos normais não ficam muito mais agressivos se os puserem a jogar jogos violentos 8 horas por dia...
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21381967
http://www.apa.org/science/about/psa/2003/10/anderson.aspx

Melhoria das capacidades psicomotoras:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21821223

Efeitos positivos em raparigas que jogam com os pais:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21783048

Jogos que levam a actividade pode corresponder a exercicio moderado:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20332536,
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20603468

Aumentar a empatia:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21171755

Jogos de estratégia em tempo real em idosos melhoram várias capacidades intelectuais:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19140648


Vicio e dependencia:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20597036 "signs of an overuse or addictive use of computer and video games. Moreover there is evidence that the disorder is associated with higher rates of depression, anxiety, as well as lower achievements e. g. at school",
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18027346,
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21703437 " average age, the scores of social belonging in real life, self-esteem and sub-dimensions "family" and "friends" of the quality of interpersonal relations scale are lower than those obtained by the non-dependent. Furthermore, the number of hours of play per week, the feeling of social belonging, self-esteem, quality of family relationships and loneliness are predictive factors of addiction to video games online.",
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21142990

Jogos aumentam aptidões gerais:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20826302

Jogos aumentam a capacidade (tomada de decisões) de inferência probabilistica:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20833324 - é o estudo referido na PCworld e divulgado aqui:
http://www.eurekalert.org/pub_releases/2008-12/uoia-svg120808.php

Para melhorar a visão em adultos!:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18997318

Brain age não aumenta capacidade cognitiva em adultos:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20822257

Jogar antes de dormir não é prejudicial:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20411697

Melhores capacidades de percepção:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21062660

Referências da PcWorld:

http://www.pcworld.com/businesscenter/article/227894/tell_your_boss_play_video_games_work_smarter.html

MRI assessment of cortical thickness and functional activity changes in adolescent girls following three months of practice on a visual-spatial task:
http://www.biomedcentral.com/1756-0500/2/174/abstract

http://www.eurekalert.org/pub_releases/2008-12/uoia-svg120808.php

Estudo que encontra melhoras a matemática num jogo de Nintendo DS "more brain training":
http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/education/7064196.stm - infelizmente na página do autor podemos ver o que não diz no artigo da BBc. O conflito de interesses entre um estudo não tendencioso e os patrocinadores que são marcas de jogos. Ver aqui: http://www.gamebasedlearning2009.com/conference/speakers/907-spekers/166-derek-p-robertson-learning-and-teaching-scotland-national-adviser-for-emerging-technologies-and-learning-

Melhorias em adultos que jogam jogos de estratégia em tempo real:
http://www.eurekalert.org/pub_releases/2010-09/uor-vgl091010.php. É a noticia deste estudo já referenciado acima: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19140648

Visual:
http://www.bcs.rochester.edu/people/daphne/VisionPDF/DyeBavelier2010.pdf "participants who played action games showed enhanced performance on all
aspects of attention tested as compared to non-gamers."

http://www.pcworld.com/article/229408/7_games_that_expand_your_brain.html#tk.hp_new

Relacionado:

Memoria de trabalho pode ser treinada com video jogos:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20630350 (sem referencia a video jogos, apenas a treino)
http://www.nlm.nih.gov/medlineplus/news/fullstory_113138.html

Jogo "Big seed" pode ser usado para avaliar potencial intelectual:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14977052


Melhora a atenção:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21248123

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