terça-feira, 10 de setembro de 2013

O processo. Pensar outra vez.

Conforme a curiosidade me levou a procurar conhecimento e respostas fui entrando devagar no próprio processo de adquirir conhecimento:

 Como sabemos o que sabemos? Como distinguir duas respostas uma da outra? O que é que faz uma boa justificação?

Transversal à ciência e à filosofia, mesmo na área onde estas se confundem, está o pensamento critico para trazer alguma luz ao próprio modo de pensar.

Inclui a lógica formal e informal, matemática e estatística, alguma linguística e conhecimento de princípios científicos. O pensamento critico é o acto consciente (e lento mas eficaz)  de usar estas ferramentas na avaliação de uma afirmação ou argumento.

Na minha opinião, é essencial para uma democracia funcional.

Aconselho a todos os que puderem, a participação neste curso online grátis, onde podem ter uma introdução à matéria:

"Think Again, How to reason and argue".

Já está a decorrer, mas não é tarde.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Uma asneira não justifica outra asneira.

Frequentemente nas discussões sobre as medicinas alternativas, os seus proponentes recorrem para o ataque à pratica da medicina convencional. Não atacam os métodos de investigação, os resultados dos ensaios, a ciência básica, mas sim a alegada má pratica de quem a exerce, normalmente recorrendo a evidência anedótica.

Mas a questão é esta: Mesmo se os médicos que procuram a medicina baseada na ciência cometem erros, isso não diz nada acerca da validade das outras alegadas medicinas. Mais vale errar a fazer a coisa certa do que ser prefeito a fazer a coisa errada. É que errar não é apenas algo que vá acontecer aos médicos que praticam a medicina baseada na ciência. Infelizmente acontece a todos.

Devíamos pelo menos tentar fazer aquilo que sabemos que funciona. E que sabemos que funciona e não apenas acreditamos que funciona, estando a diferença na justificação que temos para a nossa crença.

E só porque errar acontece a todos, passar aceitar como bom qualquer medicina alternativa, é um disparate.

Tem de ter sustentação cientifica, alguma justificação que funciona. Se não tem, não são os erros dos outros que lhe dão essa justificação. Sobretudo quando a medicina baseada na ciência, com todas as suas falhas, dá tantos resultados, que não se conseguem de outro modo.

Claro que também é mais fácil apontar o erro quando os procedimentos são tão claros e objectivos, bem descritos, bem registados e tão expostos.



sábado, 31 de agosto de 2013

A vacina da raiva não tira o faro aos cães.

A ideia que tem levado alguns caçadores a andar a pressionar os veterinários para colocar o selo da raiva na caderneta sem vacinar é perigosa. E é treta.

Não há qualquer evidência de que a vacina da raiva tire o faro aos cães.

Talvez essa ideia venha de alguém, alguma vez, que leu que o vírus se replica nos lobos olfactivos em determinada fase da doença. Mas a questão é que as vacinas que se usam não têm vírus vivo - que assim  não causa a doença, não se replica.  Está inativado, morto, acabado. Só serve para provocar resposta imunitária  (porque essa resposta é iniciada por determinadas partes dos agentes infecciosos apenas).

É um mito, como tantos outros acerca das vacinas, cuja popularidade se deve ao "diz que disse" e que como outros pode ser perigoso. Existem reacções adversas às vacinas mas as graves são raras. E esta não é uma delas. E mesmo que fosse, nunca justificaria aldrabar as cadernetas de vacinas.

Por este andar, para tirar a pressão de cima dos veterinários e para garantir a saúde publica, ainda pode vir a ser preciso exigir ter teste de anticorpos,  feito no L.N.I.V., 1 mês após a vacina, para qualquer cão encontrado em ambiente de caça ou sugestivo de participar nessa actividade. Com as despesas todas do processo para o caçador.






quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Porque precisamos de testes com ocultação, randomizados e com controle com placebo mesmo em animais.

Aqui há uns anos (!) pediram-me que escrevesse um "post" sobre placebo em animais. Recolhi bibliografia algumas vezes, iniciei uns rascunhos mas por uma razão qualquer - relacionada com as imensas ramificações que o assunto pode ter, das necessidades da bibliografia associada, o potencial de controvérsia, e a responsabilidade acrescida de ter alguma relação com a pratica clínica de animais de companhia - nunca fiquei satisfeito.

Mas mais vale tarde do que nunca (acho), e mais vale ir ao essencial desde que bem justificado, do que estar a tentar fazer uma abordagem completa acerca do assunto que depois não tenho tempo para acabar ou pode mesmo deixar menos claro o que é o essencial. Em linhas gerais, repito, acredito que o que vou expor é o que é pertinente na discussão actual.

A questão do efeito placebo é extremamente complexa, (dava um blogue por si só),  já que parecem haver vários efeitos placebo e não apenas um, e talvez alguns deles possam ser atribuídos a animais. Inclino-me para que em regra deva ser considerado fraco ou inexistente um efeito com esse nome nos animais mas o que isso não implica é que não sejam precisos controles com placebo em testes com animais. E essa ideia é o núcleo deste post, mais que elaborar sobre o efeito placebo.

Resumindo, o efeito placebo, em pessoas, é sobretudo um efeito da percepção e não um efeito do tratamento. É um caso de percepção versus realidade. E é sobretudo criado pela crença nesse tratamento.

Isto em principio é complicado de demonstrar nos animais: eles não sabem nem suspeitam (provavelmente, mas não garantidademente) que estão a ser tratados. Se se demonstrar que existem situações onde os animais dão provas inequívocas de estarem à espera de um tratamento, isso é fácil considerar como sugestivo de haver um efeito placebo - o que poderia alterar depois a resposta à dor por exemplo. Mas não encontrei provas disso, para lá de suspeitas e evidência anedótica.

Além disso, outras coisas que sabemos que acontecem em animais, como o condicionamento (lembrar o cão de Pavlov), são consideradas usualmente como placebo. As respostas condicionadas podem ser variadas e interferir na avaliação de resultados. Lembrar que se queremos saber se um determinado procedimento ou tratamento funciona queremos eliminar tudo o que não seja efeito desse procedimento.

Existem alterações no comportamento por interacção com humanos (falar, fazer festas) e até respostas orgânicas a isso, como por exemplo no fluxo sanguíneo e batimento cardíaco. Isso foi mostrado em cães mas penso que se pode generalizar sem perigo para outros animais domésticos. E eventualmente pode aliviar ligeiramente os animais de sintomatologia mais subjectiva como a dor ou a náusea.

O tempo acrescentado que se passa com os animais em estudo, ou atenção extra num período de doença, só por si, pode ser importante e simular melhoras relativo ao período inicial.

Mas para lá destes aspectos, há problemas mais importantes, que só por si tornam estas questões quase secundárias para determinar porque precisamos controlar estudos médico-veterinários em animais com placebo. E essas têm a ver com quem avalia as melhoras, sejam médicos veterinário ou os donos. Quem vai medir e registar os resultados, finalmente, são as pessoas. E aí está um ponto critico bem conhecido, bem estudado, e com a maneira correcta de lidar bem descrita.

Como em todas as outras coisas, não podemos contar com uma percepção absolutamente fiel à realidade. A tendência para confirmação, de escolher os aspectos mais positivos e  de não ter termo de comparação eficaz sem um controle placebo  (onde tudo é repetido "tal qual" excepto o tratamento, para evitar atribuir ao tratamento um resultado que afinal era de outra coisa qualquer) são empecilhos nessa avaliação. Em toda a gente e sem falar em fraude (que também há mas vamos pressupor que não).

Por isso, quer com alfaces, minhocas, cães ou pessoas, tem de haver um controle com placebo, ocultação (isto é: nem dono ou paciente nem o investigador sabe quem está a fazer o placebo ou o tratamento), para além de ser preciso um grande numero de casos e dos grupos terem de ser randomizados (sorteados: garantir que não estamos a privilegiar o grupo do tratamento ao escolher os mais promissores ou vice versa).

Em conclusão, as razões pelas quais precisamos de controlar estudos em animais com placebo, começam por ser questões da natureza de "percepção vs realidade" nos donos e veterinários - e neste aspecto há uma semelhança com as razões que levam a que se tenham de se usar estes "truques" em estudos com humanos. Estudos que não sejam controlados com placebo, com ocultação e randomizados serão sempre estudos mais fracos mesmo se em grande numero. Todos os estudos precisam de replicação independente, e estes regra geral precisam de ser repetidos com as emendas referidas. Ou pelo menos, atribuir-lhes apenas o peso que têm como evidência, que é pouco, e não mais. Podem sugerir caminhos de investigação a percorrer, mas não são determinantes.

Este tema é  importante também, porque existe muita coisa (sobretudo nas medicinas alternativas) que é proposta para pessoas com o argumento de que funciona em animais. E depois se vai ver  e os estudos nos animais não têm controle com placebo nem ocultação, (já para não falar no numero de casos usados) com a justificação de que não há placebo em animais. Penso que o presente "post" informa bem os interessados dos problemas desta resposta.

Bibliografia recomendada:
http://www.sciencebasedmedicine.org/is-there-a-placebo-effect-for-animals/

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A maioria dos estudos mostra haver uma correlação entre longevidade e religiosidade.

Ao contrário da correlação negativa entre inteligência e religiosidade, que atraiu a ira sobre quem a confirmou, a correlação entre longevidade e religiosidade não parece ter alguma vez causado grande incomodo nos meios de comunicação sociais. Ou em redes sociais. 

Aparentemente há um "bias" tremendo acerca do que pode ser um resultado cientifico face à imagem que dá à religião, e isso é mau sinal. Mas adiante.

Tal como o outro, estes estudos importam. Todos queremos viver bem e mais tempo (acho eu) e o melhor é tentar perceber o que há aqui. Os estudos são vários e sólidos na maioria dos casos. Não há grande razão para suspeitas, e censurar factos é um disparate.

A questão é se a religiosidade é ou não causa de maior longevidade. 

E a resposta parece ser sim. Mas só em determinados contextos. 

Na realidade, a maior parte dos estudos que chegam a esta conclusão são feitos nos E.U.A. Isso é normal, já que uma grande fatia da ciência é lá produzida, mas neste caso pode ser uma boa razão para que o resultado não possa ser generalizado para outras sociedades, mesmo ocidentais. 

Porque os E.U.A. são uma excepção no que toca à religiosidade e aceitação popular da ciência entre os países ocidentais de desenvolvimento sócio-económico semelhante. A maioria das pessoas são religiosas (excepto entre os cientistas de topo que são notoriamente ateus), os ateus são muito mal vistos na sociedade em geral  e o criacionismo (uma crença notoriamente anti-cientifica e ligada à religião)  é aceite por 40% da população. Isto são razões que levam a suspeitar que provavelmente haverá uma serie de factores que levam a vidas melhores e mais longas nos E.U.A. para quem for religioso mas que não se verificam obrigatoriamente  noutros países.

De facto, parece que o que leva a religiosidade a proporcionar vidas mais longas, não é nenhuma espécie de intervenção divina, mas sim a actividade social associada. E não há evidência de que a actividade social promovida pela religião seja especial para isso. A actividade social é importante para a longevidade só por si. Existem outras razões apontadas mas esta parece-me importante e capaz de clarificar as coisas. 

Porque pode ter outras formas, sobretudo em países menos religiosos. 

E podemos suspeitar pelos índices de longevidade e bem estar em países pouco religiosos como os do norte da Europa que isso deve acontecer. De facto, como esperado, estudos que envolvem esses países não mostram esta correlação como nos E.U.A. 

Adicionalmente e já que não é um efeito directo e intrínseco da religião, fora dos E.U.A., se os estudos feitos eliminarem factores sócio económicos (normalmente procuram-se isolar as variáveis em estudo), podem bem estar a tirar aos ateus e agnósticos todos os factores que lhes dão a eles maior longevidade (e os podem levar inclusivamente a ser menos religiosos) - estamos a propor que haja outro modo de ter um paralelo dos benefícios trazidos pela religião ou ir além deles.

Esta questão é provavelmente completamente diferente em países onde a longevidade e o bem estar são em média altos, e onde as pessoas não precisem tanto da religião por pressão ou desamparo social. Ou por terem um estado social e sistema de saúde mais eficaz.

Bibliografia e notas:





"The studies on organic religion overwhelmingly indicate that greater involvement in religious practices is associated with reduced hypertension, longevity, reduced depression, lower levels of alcohol and drug consumption, less engagement in risky sexual behavior, reduced risk of suicide, reduced delinquency, and reduced criminal activity. In the next section, 669 studies are reviewed concerning the relationship between religion and well-being. Taken together, the findings indicate that higher levels of religious involvement provide protective factors that generally reduce deleterious social outcomes. Greater involvement in religious practices conveys the sense of well-being, purpose, meaning, and educational attainment.":
https://www.ncjrs.gov/App/abstractdb/AbstractDBDetails.aspx?id=202135 



Mecanismos do efeito do casamento semelhante ao da religiosidade:http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1728-4457.2003.00255.x/abstract

É explicado por um efeito da personalidade, hábitos, etc.:

http://psycnet.apa.org/journals/psp/97/5/866/

Prevê a longevidade de idosos pobres:
http://aje.oxfordjournals.org/content/119/3/410.short

Redes sociais são importantes para ambos mas a participação em organisações formais (como a religião) só tem valor preditivo para os americanos, comparando com os Suecos para quem o contacto com crianças era o factor relevante.
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167494398001356

Os efeitos são apenas resultado da participação em actividades sociais, sem que a religião seja uma actividade social melhor para o efeito:
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jssr.12006/full

Aumento da longevidade diminui a participação religiosa:
http://www.emeraldinsight.com/journals.htm?articleid=1917339

Correlação de governos seculares e saúde, ou seja, países mais religiosos têm sociedades com mais problemas de saúde. A grande excepção são os EUA:
http://moses.creighton.edu/jrs/2005/2005-11.pdf

Correlação entre longevidade, bem estar e ateísmo, por países: http://epiphenom.fieldofscience.com/2009/11/live-long-and-be-atheist.html

Correlação entre felicidade e religiosidade apenas nos estados unidos. Na Hollanda e na Dinamarca não era significativa:
http://cms.springerprofessional.de/journals/JOU=10902/VOL=2008.9/ISU=2/ART=9045/BodyRef/PDF/10902_2007_Article_9045.pdf


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Acertem no mensageiro.

O que uma coisa é ou o que deve ser não é a mesma coisa.

Eu posso dizer que a incidência duma doença numa determinada faixa etária de uma população é de mais de 50% sem que isso queira dizer que eu quero que esse valor seja tão alto. Ou que quero que seja de todo verdade. Apenas que é o que se encontra.

Isso também quer dizer que nem toda a gente tem essa doença nessa população e nomear essas excepções não refuta a afirmação nem resolve nada.

Não mencionar estes factos ou não os procurar, também não me parece que ajude as pessoas. A informação sobre populações é importante para ajudar as pessoas, sobretudo quando revela coisas que não gostamos.

Isto vem a propósito de uma correlação negativa, que é um resultado estatístico, que foi encontrado entre a religiosidade e a inteligência. Uma correlação não diz se há uma relação de causa efeito, não diz se é assim que deve ser e muito menos que alguém quer que assim seja. Isto se a matemática por trás for bem usada.

Mas o artigo onde isto é publicado, um metaestudo (do qual esta é uma boa apresentação com ligação para o original), não foi criticado pela qualidade cientifica ou rigor matemático. Foi criticado porque não devia ter sido feito, porque era generalizador (era uma correlação), porque havia ateus burros, etc, etc, etc.

Não poder estudar um assunto ou publicar um resultado só porque ele diz respeito à religião e pode trazer-lhe uma imagem menos bonita é uma asneira. Pelo menos se queremos compreender o mundo, a sociedade e assim procurar o melhor para nós. Uma correlação nem sequer implica uma relação de causa e efeito, coisa que ainda é mal compreendida - quer dizer só que há uma associação mensurável entre valores de parâmetros diferentes -  mas pede que se procure o porquê de se encontrar essa correlação. Isso é feito comummente em ciência e tornar a coisa politicamente incorrecta por ser com a religião é um disparate. E um retrocesso civilizacional.

E claro. Não diz quase nada acerca de pessoas individuais ou amostras pequenas. Sosseguem.

Claro que os autores foram vilipendiados como se fossem os causadores intencionais de tais dados estatísticos.

Idem para o Dawkins que teve o "mau gosto" de responder factualmente às alegações de que o Islão produzia muita ciência. Disse que todo o Islão junto não tinha mais prémios nobel que o Trinity Colege (mas que tinham sido produtivos na idade média). Isto é relevante porque o Islão representa 23% da população da terra. É muita gente para tão pouco Nobel, mesmo se existir um "bias"  para judeus e americanos (não estou a dizer que há) . De facto, a mensagem é facilmente verificável na sua autenticidade, vem em contexto, e refere-se a uma religião. Não a um povo ou a uma pessoa. No entanto o rótulo de racista (o Islão não é uma raça) é lhe atirado para cima por várias publicações deste mundo, para lá dos comentários nas redes sociais. Além disso é acusado de irracionalidade (!?).

Mais uma vez, por preocupação com as pessoas, o importante será tentar perceber o que está a correr mal e corrigir. Fingir que não passa nada é uma asneira. É até o que diz este artigo interessante escrito por um membro do Islão. Ou este.

Parece que das melhores avaliações da situação vêm de membros do mundo Islamico. E isto só por si devia fazer-nos pensar um pouco no assunto.

E se queremos mesmo andar aos tiros aos mensageiros, como era hábito noutros tempos.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Earth Overshoot Day - 20 Agosto

Feitas as contas ao ano, o planta terra só tem capacidade de nos sustentar nos primeiros 8 meses. Depois disso estamos a consumir mais recursos que aqueles que o planeta pode renovar.

A nível global, ultrapassamos a capacidade de "regeneração" do planeta nos anos 70. A nível local a variação ainda é grande mesmo nos dias de hoje. Há países que não têm ainda saldo negativo.

Há quem pense que vivemos num mundo de recursos infinitos e que o homem não tem a capacidade de alterar o planeta. Mas tudo o que sabemos aponta noutra direcção.

Ver mais aqui.


quinta-feira, 25 de julho de 2013

Vermes mantêm a memoria após eliminação do cérebro. Uma explicação.

Michael Levin e Tal Shomrat da Universidade de Tuft, "ensinaram" planarias a procurar a luz.

Os vermes eram recompensados com comida e punidos quando ficavam no escuro. Depois do treino estar completo, cortaram-lhes a cabeça, que por sorte, cresce de volta.

O cérebro destes vermes foi assim destruído e substituido por outro, que cresce naturalmente de volta. Isso é algo que dá sempre jeito, mas o que é marcante neste estudo é que estes vermes mantiveram a memória de como lidar com a luz.

Eu penso que a melhor explicação para este fenómeno é encontrada nos trabalhos do Prof. António Damásio. Segundo este neurologista, as emoções são respostas orgânicas. Os sentimentos são como que sensações dessas emoções.

Neste quadro teórico, o que pode acontecer com os vermes é que a resposta orgânica é a mesma para o mesmo sinal vindo do cérebro. Ou seja, o cérebro processa o ambiente e envia a informação simplificada mas inequívoca para o corpo. O corpo produz uma resposta, que é regulada por feed-back com o cérebro, acabando por associar boas e más emoções a acontecimentos e fenómenos. O corpo não tem necessariamente a memória do que deve fazer. Nem faz a mínima ideia de algo como luz ou escuro. Apenas de como reage caso o cérebro envie determinada informação, provavelmente consistindo num conjunto de sinais variados para vários órgãos.

O cérebro depois dá ordens motoras de acordo com as emoções que recebe do corpo.

Deste modo, o que encontramos aqui, é a demonstração de que as emoções são reguladores comportamentais sendo mesmo capazes de mimetizar a memória, e são mesmo quadros organicos. Memórias que por tudo o que sabemos, apenas são possíveis com aparato neurológico mais complexo que só existe no cérebro. E por isso, ao substituir o cérebro, se o novo sistema nervoso central for igualmente capaz de processar a informação ambiental de modo a enviar a mesma sinalização ao corpo, a resposta do corpo é a mesma porque o corpo é o mesmo. E o cérebro será capaz de enviar a mesma informação ao corpo porque esta informação será produzida de modo lógico.

Se isto estiver correcto, esta interpretação, este trabalho não prevê que a memória dos humanos possa estar no corpo. Ou que haja uma alma onde o verdadeiro espectáculo do Eu funciona. Factos, números, imagens, terão de ser guardados no cérebro. Por isso, pessoas com o cérebro desligado do corpo mantém memória normal. Estamos a falar de coisas diferentes.

Estamos a falar de emoções e de uma demonstração da sua utilidade em seres muito simples e de um modo muito simples. A memória tal como a temos será uns quantos furos acima na sua capacidade de gerar "facts and figures" ou imagens. Será no entanto ainda capaz de gerar respostas emocionais associadas, como todos sabemos.


segunda-feira, 22 de julho de 2013

Estatística bayesiana, pequena introdução


"Cartoon"  retirado do XKCD


Uma ferramenta de indução


É vulgar considerar que testes que resultam em determinados valores de P podem atribuir probabilidades a hipóteses. Por exemplo, o erro de considerar que "P menor que 0,05 quer dizer que temos 95% de probabilidade de ter a nossa hipótese correcta", é muito comum. Mas a estatística frequentista, com os seus valores de P, não pode atribuir probabilidades a hipóteses. De todo.

O que o valor de P representa, é o numero de vezes que teríamos um determinado resultado, num grande numero de repetições, considerando que a hipótese nula é a verdadeira. Não diz nada acerca da probabilidade da hipotese "nao-nula" ou sequer da nula, que na realidade estamos a presumir que é verdadeira - apenas permite rejeitá-la ou aceitá-la (um resultado binário) dentro de determinados parâmetros. Por estas razões, na prática, dá-nos um valor que diz muito pouco acerca de casos particulares. Por esta razão também, leva a que se admitam muitos falsos positivos. Isso acontece ao induzir muitos a aceitar cada teste que rejeita a hipótese nula como suficiente para considerar a probabilidade de uma hipótese como elevada, quando esta é realmente calculada de outra forma, e quando esta é realmente improvável. É tanto mais grave quanto mais improvável for essa hipótese.

A estatística que consegue extrair conclusões dos dados de forma a dar probabilidades a hipóteses particulares é a bayesiana. Esta estatística usa uma probabilidade "à priori" para chegar a uma probabilidade "à posteriori", para um determinado caso, resultando assim numa ferramenta indutiva. Não é, no entanto, muito fácil de conseguir a tal probabilidade "à priori", já que na prática requer grandes quantidades de dados, nem é muito intuitiva inicialmente ou rápida de calcular.


Um exemplo

Stephen Pinker conta no seu livro "How the mind works" que se colocou a 60 alunos da escola de medicina de Harvard a seguinte questão:

"Se um teste para detectar uma doença cuja prevalência é de 1/1000 tem uma taxa de falsos positivos de 5% qual a probabilidade de uma pessoa a quem o teste deu positivo de ter a doença, sendo que não sabemos nada do seu quadro clínico."

Nota: Falso positivo = percentagem de pessoas saudáveis que têm resultado positivo.
Prevalência = proporção de pessoas com a doença numa população.

A resposta mais popular foi 95%. A resposta certa é 2%. Isto em Harvard.

Neste caso precisamos de atribuir uma probabilidade a uma hipótese, por isso precisamos de uma ferramenta que diga algo acerca de uma caso particular extraindo conhecimento de números gerais. Precisamos de estatística bayesiana e aparecerem dados de probabilidade "à priori" na questão, como a prevalência da doença, deveria ter levantado bandeiras vermelhas aos alunos que responderam. Pensando apenas um pouco no assunto, torna-se intuitivo o facto de que se aceitamos que a probabilidade do teste (de 5% para falsos positivos) atribuir 95% de certeza de ser positivo, é porque estamos a postular uma prevalência assustadoramente próxima de 100%. Mas essa é nos  dito que é de 0,1%. Outro problema também é considerar a taxa de falsos positivos como a proporção dos resultados positivos (no conjunto dos positivos) que vêm de pessoas saudáveis em vez de interpretar isso como a proporção de resultados positivos no grupo de pessoas saudáveis.

Então o valor tem de ser calculado assim:

Multiplica-se a prevalência pela sensibilidade do teste (taxa de verdadeiros positivos, presumidamente 1 neste caso), dividindo depois pela incidência de testes positivos. A incidência de testes positivos, ou seja, todos os resultados positivos, quer de pessoas doentes ou não, calcula-se somando os doentes que têm resultado positivo, que são neste caso 1/1000 vezes 1 (presumido) com as saudáveis que têm resultado positivo ou seja 999/1000 x 0,5.

Uma maneira fácil de compreender isto é recorrendo a um quadro. Para facilitar vou repetir todo o quadro conforme preencho passo a passo.

Comecemos por admitir que temos uma população de 100000 pessoas  para visualizar melhor alguns resultados:


Têm a doença
Não têm a doença
Total
Teste positivo



Teste negativo



Totais


100000

 Dessas 100 são doentes pois sabemos que a prevalência é de um em cada 1000:


Têm a doença
Não têm a doença
Total
Teste positivo



Teste negativo



Totais
100

100000

Se 100 são doentes em 100000 então é porque 99900 não têm a doença:


Têm a doença
Não têm a doença
Total
Teste positivo



Teste negativo



Totais
100
99900 (100000 – 100)
100000

 Se 99900 não têm a doença e sabemos que 5% destes vão ter resultado positivo de qualquer maneira então sabemos que as pessoas saudáveis com teste positivo são 4995. Ficamos logo a saber também quantos são os que testam negativo e são saudáveis embora para o momento não nos interesse:

Têm a doença
Não têm a doença
Total
Teste positivo

4995
Teste negativo

(99900 – 4995) 94905

Totais
100
99900
100000

 Como não nos dizem a percentagem de pessoas que são verdadeiros positivos vamos presumir que o teste tem uma sensibilidade de 100%. Isso quer dizer que todos os doentes são identificados, o que vai colocar 100 pessoas com teste positivo e com a doença. Se somarmos aos positivos que não têm a doença ficamos com o numero total de positivos, a incidência de positivos que é 100 + 4995 = 5095, como se pode ver abaixo:


Têm a doença
Não têm a doença
Total
Teste positivo
100
4995
5095
Teste negativo
0
94905
94905
Totais
100
99900
100000


Se queremos saber a proporção de positivos verdadeiros entre os positivos todos, que é realmente a resposta à pergunta, então temos:

100/5095 = aproximadamente 0,02 ou 2%.

Conseguimos saber assim a probabilidade de B (ser verdadeiramente positivo, ter a doença) dado A (o teste deu positivo).

Isso escreve-se P(B/A)



Este exemplo, para além de expor como funciona esta estatística, demonstra bem como probabilidades à priori baixas levam a verdadeiras probabilidades baixas, mesmo com testes de qualidade a dar positivo. Os tais 2% contra o valor de  95% que é aferido intuitivamente.

Tem sido argumentado que muito sofrimento poderia ser evitado ao explicar isto convenientemente a pessoas que tiveram testes positivos para doenças raras e/ou feitos com pouca indicação clínica (sem sintomas, factores de risco, etc). Ou seja, quando a probabilidade de ter a doença é pequena, já que testes positivos vão sempre haver.

Notar que nestas condições, e com um teste com boas características, há mais falsos positivos que verdadeiros positivos em numero de pessoas.



Teoria
A formula que Bayes descobriu, (e demonstrou) é:

P(B/A) =         P(B) x P(A/B)
            [P(B)xP(A/B)]+[P(~B)xP(A/~B)]                  (a pedido posso dar a demonstração).

Sendo no exemplo apresentado:

P(A) probabilidade de A
~B  =  "não B"

Neste caso: B = ter a doença; 
~B = não ter a doença
 A = teste positivo.

Outro exemplo

Ao testar repetidamente qualquer coisa cuja hipótese é muito improvável, a estatística frequentista prevê que se vão rejeitar falsamente (face a um numero grande de testes) as hipóteses nulas num numero reduzido desses testes, só por acaso. Pior. Como existe uma tendência para publicar apenas resultados positivos, que rejeitam a hipótese nula, esses resultados vão aparecer ainda mais isolados do que aquilo a que a nossa tendência natural para nos focarmos em resultados positivos nos leva. Por isso temos estudos de homeopatia e outras coisas implausíveis com Ps "bons"  - mas que não significam nada -  muito popularizados pelos crentes. Não significam nada porque para saber a probabilidade de um teste ser um verdadeiro positivo temos de usar o resto das coisas que sabemos que condicionam essa probabilidade. Tal como no exemplo anterior. E tal como no exemplo anterior vamos ter imensos falsos positivos em Ps usuais quando a probabilidade que condiciona a interpretação do nosso teste é baixa.  E no caso da homeopatia,  por exemplo, ciência bastante básica  leva-nos a uma probabilidade à priori muito baixa, o que torna testes singulares e valores de P usuais muito fracos. Afirmações extraordinárias requerem provas extraordinárias, e podemos agora compreender como esta frase é na realidade uma afirmação de matemática bayesiana. Por muito desagradável que esta matemática seja para alguns, a verdade é que para provar a homeopatia precisávamos que todos os ensaios clínicos (e em grande numero) tivessem resultados sempre positivos para valores de P muito mais baixos que 0,05 ou até 0,01. Porque precisávamos que essa evidência fosse tão forte que mostrava que todos os outros testes que formaram os alicerces da ciência estavam errados. No caso da homeopatia a contradição com a ciência começa ao nível da química e acaba ao nível da terapêutica médica. E no entanto, tal como esperado, lá aparecem falsos positivos.


Em conclusão

A estatística bayesiana dá-nos probabilidades para casos particulares, usando tudo o que já se sabe anteriormente. A estatististica frequentista não permite isso, de facto faz um pouco o contrário, ou seja, prevê resultados futuros para muitas repetições dado um teste que temos à frente (é dedutiva). Por isso conforme vamos tendo cada vez mais conhecimento acumulado e melhor capacidade de estabelecer as probabilidades relacionadas com as hipóteses em causa, menos desculpa temos para não usar estatística bayesiana para dar significado ao resultado dos estudos e testes que fazemos.






sábado, 20 de julho de 2013

Não há aquecimento desde 1998. Dizem. Mas não é verdade.

Este é um argumento recorrente dos que não acreditam no aquecimento global. Normalmente, entre insultos à honestidade dos "Warmists" e imensos adjectivos depreciativos para cada afirmação cientifica com que não concordam, lá vem o grande argumento de que não há aquecimento entre tal e tal data. Mas é treta.


Artigo original:

http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0375960112010389

O meu FAQ aqui:

http://cronicadaciencia.blogspot.pt/2012/12/questoes-frequentes-sobre-o-aquecimento.html

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Imparcialidade

Um exercício fantástico com um fim prático:

Imaginem que antes de nascermos, existíamos como espírito, com amplo conhecimento de causas e coisas,  excepto acerca dos particulares pessoais após o nascimento.

Não saberíamos o sexo, a etnia, o local de nascimento, o estrato sócio-económico, a inteligência, a força física ou a saúde que teríamos neste mundo. Todas aquelas coisas que sejam inatas, ou perto disso, estariam incluídas neste véu de ignorância.

Teríamos no entanto,  nessa altura antes de nascer,  a oportunidade de participar na construção das leis que encontraríamos.

Como gostaríamos, nessas condições, que fossem as coisas?




quarta-feira, 12 de junho de 2013

Raiva em Espanha.

Um cão, que andava à solta em Toledo, atacou 4 crianças antes de ser abatido pela policia. Enviado material para laboratório para diagnosticar possivel infecção pela raiva  (foi por PCR: polimerase chain reaction), o resultado veio positivo.

Como o cão tinha microchip, foi possível encontrar o dono. Assim ficámos a saber que o cão tinha vindo de Marrocos uns meses antes (onde provavelmente se infectou) e andou a viajar por Espanha, tendo chegado da Galiza uns dias antes dos ataques em Toledo. O que levanta a questão: qual a verdadeira dimensão do problema, que outros animais e pessoas poderá ter exposto à raiva.

A nossa península, já que é por essa perspectiva que temos de abordar o problema, tem tido muito poucos casos de raiva. Estava para efeitos práticos erradicada, pelo menos nos animais terrestres. O ultimo caso em Espanha tinha sido em 1975 em Malaga. Em 1966 a raiva tinha sido dado como erradicada. Em Portugal desde 1960 que se considera que não há raiva em animais autóctones.

No entanto, a enorme mobilidade humana e animal tem levantado preocupações, de que surjam focos de infecção. Em 2011 houve dois casos de raiva humana em Portugal, embora as pessoas tenham contraído a doença em países africanos de língua oficial Portuguesa. Ambas morreram.

Às vezes, embora raramente, ouço as pessoas questionar a razoabilidade de vacinar os cães para a raiva todos os anos. É por isto. É para fazerem uma "almofada protectora", de animais resistentes e impedir o vírus de chegar às pessoas e outros animais, na hipótese de algum caso extraordinário desatar para aí a espalhar vírus, como este cão de Toledo. É para conseguir a chamada imunização de rebanho - e manter a doença como "doença rara".

Porque é uma doença extremamente grave:

Uma vez que apareçam os sintomas  não há tratamento. Existem 5 casos de sobrevivência relatados (protocolo de Millwuakee) exceptuando os membro de uma pequena população indigena do Peru que parecem conseguir sobreviver e desenvolver imunidade, o que pode ser  por causa da estirpe do virus envolvida ser muito menos mortal ou por estes Peruanos  possuirem determinadas características genéticas que lhes conferem maior resistência. Seja como for para nós a mortalidade da Raiva é cerca de 100%.

E mesmo para estes 5 sobreviventes (desde sempre) pelo protocolo de Millwauakee, há uma nota a fazer: a raiva culmina sempre numa encefalite aguda, causada pelo vírus, de que as sequelas não podem ser senão pesadas.

Antes de aparecerem os sintomas, imediatamente a seguir à mordida ou arranhão por animal com raiva, é possível fazer um tratamento preventivo. Tem de ser feito com urgência. Se for, pode impedir o desenvolvimento da doença e o aparecimento de sintomas. No mundo 15 milhões de pessoas fazem o tratamento pós exposição todos os anos e isso crê-se que impede milhões de mortes por ano.

Mas para isso, provavelmente, é preciso suspeitar que o animal estava infectado já que é tão raro. Por isso existe o tal período de sequestro (que até pode ser em casa, em determinados casos) depois de uma mordida.  É que o vírus só aparece na saliva cerca de 10 dias antes de aparecerem os sintomas. Quem for mordido e puder verificar  que o animal continua saudável 15 dias depois, pode estar descansado. Mesmo que este animal venha a ter raiva um mês depois, não estava numa fase contagiosa. E a raiva é rara, mas como podemos ver não é impossível de aparecer, ainda para mais num mundo globalizado. E apesar de rara, (entre nós), é extremamente grave - como se disse, depois de aparecerem os sintomas não há cura. A taxa de mortalidade é 100% para todas as questões praticas. No mundo, mais de 55 mil pessoas por ano morrem de raiva.

Quanto aos sintomas - pode ser outro problema.  A sintomatologia é neurológica e comportamental. Mas os sintomas, e agora estou a falar de animais, não são obrigatoriamente o quadro clássico do animal raivoso a querer morder tudo e todos.  De facto, alguns autores notam que a apresentação atípica da doença é a regra e não a excepção. As fases clássicas usadas na descrição da evolução da doença são consideradas sem grande interesse clínico. Alguns animais, por exemplo, em vez de agitação desenvolvem apatia. Outros ficam paralíticos (que é sempre o final) sem passar pela fase furiosa.


Nos EUA por exemplo, onde existe raiva mas é rara, os veterinários podem começar por não suspeitar dessa doença quando ela aparece (1). A variabilidade dos sintomas e a sua raridade já levaram a que passe despercebida durante as primeiras consultas e tratamentos. Muitos nem nunca sequer viram raiva, como a maioria dos veterinários portugueses. Não é reconhecida pois pode parecer outra coisa qualquer do foro comportamental ou sobretudo neurológico. Muitas vezes com os veterinários e donos a fazer tudo o que podem para por  os animais a comer (por exemplo) e salvar-lhes a vida (impossível). Quando o diagnóstico final é feito, post-mortem, é causa de grande ansiedade em todos os envolvidos  (e é preciso encontrar todos para mandar fazer a pós-exposição). Se a apresentação for clássica, do animal raivoso, é mais fácil.

Mais algumas notas:

O período de incubação é extremamente variável. De dias a mais de um ano (descrito num ser humano)No cão a média é de 1 a 2 meses, mas longos períodos são também possíveis. Os períodos de quarentena típicos são de 6 meses, (para animais entrarem em países livres de raiva - e nós e os espanhóis devíamos ser tão chatos como os Ingleses).

O vírus é eliminado na saliva. Não penetra na pele integra, mas pode infectar através de mucosas.

Lavar com agua e sabão é o primeiro passo logo após a mordida (ou arranhão, contacto com ferida, etc)  de um animal suspeito. O segundo é iniciar o tratamento de pós exposição, ver aqui onde.

Uma vez que apareçam sintomas de paralisia ou raiva, a morte ocorre em cerca de 7 dias, menos ainda nos gatos.

É extremamente importante não perder o rastro aos animais que mordem (como explicado no texto). 

Existe uma doença parecida chamada pseudoraiva. (pseudo = falso)

A hidrofobia é típica da doença em humanos, mas não em cães e gatos. Por outro lado parece que os humanos são muito pouco dados a fazer a fase furiosa.

Nos EUA, a maioria dos casos em humanos desde 1990 foram transmitidos por gatos. Em princípio por 3  razões: 1 - Os cães estão quase todos vacinados e os gatos nem por isso. 2 - há mais gatos de estimação com vida livre que cães (normalmente o cão só sai do quintal ou da casa em determinadas ocasiões). 3 - O gato é uma animal cada vez mais popular como pet. Vacinem-os também.

Em Espanha tem havido casos de raiva em morcegos. Os morcegos podem transmitir a raiva  até através de aerossóis da sua saliva. No entanto sabemos empiricamente que isso é  muito raro. Donde até o mais provável é este cão ter apanhado raiva em Marrocos, a partir de um outro animal terrestre.

A raiva é uma doença de animais de sangue quente. Esquilos,  Rapozas, Guaxinins, Veados, Javalis, Linces, etc podem transmiti-la.

Uma ultima nota para finalizar: o cão de Toledo estava, de acordo com o livro apresentado pelo dono, vacinado.  Pode ser uma falha vacinal (há várias causas). Mas isso não deve ser motivo para duvidar da vantagem da vacinação. De um modo geral, foi a vacinação e a sua  aplicação em massa que nos tem permitido ter tão poucos casos. Este "post" é sobretudo com o objectivo de levar a vacinar o seu cão ou gato (se não o fez já) e compreenda porquê quando não se ouve quase falar de raiva (e porque continua a ser a única vacina obrigatória em cães). A vacina pode ter reações adversas mas compensa e as graves são raras.

Vá, toca a ir vacinar a bicharada toda, a correr!

Nota 1:
De qualquer modo, mesmo animais vacinados, precisam de cumprir determinadas regras quando entram e saiem de zonas de risco. Eu não sei muito mais pormenores, mas sei, pela notificação oficial, que essas regras não foram cumpridas no caso do cão de Toledo. Mas as investigações ainda estão em curso.

Nota2: Pode ser possível vacinar apenas de 3 em 3 anos se a vacina estiver aprovada para isso.



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(1) Li alguns relatos ao longo dos anos de situações deste género. Desculpem a evidência anedótica mas estou convencido que encontrarão as referencias se procurarem. Por falta de tempo não o fiz agora.

Bibliografia consultada (não obrigatoriamente imediatamente antes de escrever o post): Ettinger, Feldman, "Medicina Interna de Pequenos Animais" ed 2000; Larry Tilley, "5 minutes veterinary consult" ed digital 11.0.8 2009

Declaração de conflito de interesses: Tenho interesse profissional na vacinação de cães e gatos. 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Assim nascem as lendas.

Um jornalista diz que o padre Bergoglio, como Jesus, multiplicou a comida. Lida a estória, não tem nada a ver com milagres ou multiplicações. Antes, redistribuições.

Mas agora imaginem outros tempos. Sem jornais, sem Internet, sem televisão e esta estória a ser contada e recontada acerca de tão carismática figura. E quem conta um conto...

E mesmo nos dias de hoje muito mito nasce assim. Crenças que são muito mais fáceis explicar através de erro humano do que através de justificações da sua veracidade e que assentam em estórinhas que alguém viu  ou ouviu.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Um placebo teatral.

Depois de mais de 3000 ensaios clínicos não foi possível encontrar resultados consistentes que suportassem a eficácia da acupunctura.

A pergunta é: vale a pena continuar?

Se não fosse pela crença popular,  a resposta racional seria não. Mas como a crença é o ponto de partida em vez do ponto de chegada nestas coisas, certamente que a acupunctura ainda não morre aqui.

Este é um excelente artigo sobre o assunto e que explica o estado da coisa.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

A crença de estar morto.

O Sindrome de Cotard é uma condição raríssima em que a pessoa afectada pensa que está morta.

Os casos descritos - desde sempre - podem contar-se pelos dedos de uma mão. Por isso, também não tem sido possível estudar a doença adequadamente. Mas temos algo de novo e muito interessante.

Um caso recente bem identificado e alta tecnologia que permite "olhar para o funcionamento do cerebro", pela primeira vez mostrou o que se pode passar num cerebro de um doente com sindrome de Cotard.

Não se podem tirar grandes conclusões quando o numero de casos é tão pequeno (n=1!). Mas os achados do PET-Scan são notáveis e parcialmente consistentes com... as próprias afirmações do paciente. Não com o facto de estar morto mas com outra afirmação que o doente fazia: a de que não tinha cerebro.

De facto, o metabolismo cerebral estava em média 22% abaixo do esperado. Valores tão baixos não são vistos sequer em depressões "major".  Morto o cerebro não estava, mas também não estava a funcionar nada de geito.

Mais, algumas zonas afectadas incluiam aquelas consideradas importantes para a formação do "reconhecimento do eu", ou seja, a formação da consciencia.

Não é de estranhar, talvez, que num estado de tão baixa funcionalidade o cerebro não fosse capaz de reunir os processos necessários para formar uma consciencia normal.

Estes individuos podem morrer à fome porque não se alimentam sozinhos - dizem que não é preciso; não têm prazer; não cuidam da higiene pessoal e não têm qualquer proposito em viver. De facto insistem que estão mortos e querem ver-se livres do corpo. Não vivem sem grandes cuidados de terceiros.

O que é notável, digo eu, e talvez seja isso que torne a condição tão rara - já que precisa de ficar sobre uma fina linha de actividade minima - é que sobra o suficiente de auto-reconhecimento para o cerebro se dar a si próprio como "morto". Não creio que sem nenhum mapeamento de si próprio isto pudesse acontecer.

Este caso creio que poderá vir a ser bastante importante no estudo da consciencia e parece-me que encaixa perfeitamente na ideia de que a consciencia emerge da criação do mapa do nosso próprio cerebro integrado num corpo e num ambiente externo.

Aparentemente, aqui temos uma espécie de zombie ao "estilo filosófico". E não, não podemos esperar que se comporte exactamente como se tivesse uma consciencia alargada.

Para finalizar, é de referir que o doente evoluiu muito positivamente e embora ele próprio considere que não está completamente bem, retomou uma vida nomal, autónoma e tira prazer de estar vivo.



Artigo original, cientifico aqui.

Via New Scientist, aqui.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Intestável.

Dizer que é intestável e que ultrapassa os processos de verificação e falsificação sistemática - que são na sua forma moderna o melhor que se sabe sobre testar algo -  é o mesmo que dizer que não podemos saber.

Na ciência o empirismo domina esses testes. A afinidade com a fenomenologia é característica. Na filosofia nem por isso. Mas o mecanismo é, em termos abstractos, o mesmo.

Mesmo só através de experiências de pensamento e raciocínio puro, as ideias têm de passar pelo processo de ver como encaixam com tudo o resto que se sabe e que implicações têm (que levem a novas verificações). Muitas das ferramentas usadas na filosofia neste processo até são de origem directamente empírica como por exemplo a lógica informal. E quando se fala em empirismo já parece ser aceite que o teste é parte do processo.

E se passam por esse teste, passam por teste empírico indirectamente. Estamos a verificar se encaixa na nossa realidade.

E mesmo em ciência quase todos os testes são indirectos. A semelhança não é assim tão fraca. Há uma distancia maior ao teste empírico na filosofia, mas mantem-se uma ponte fenoménica algures.

Adiante.

Se  dissermos que existe um espírito que habita o relógio da praça do comercio mas é um espirito intestável - e querer que isso seja conhecimento (?), filosofia (??) que valor epistemológico pode ter isso? Como sabemos então que ele está lá? Auto-revelação? Aceitamos qualquer ideia que nos ocorra? Ou vamos ver como se sai essa ideia comparando com tudo  o que se sabe e ver o que a justifica? E aceitar que se não encaixa com o que se sabe e não faz previsões significantes então está a precisar mesmo é de provas extraordinárias para não cair no baú das tretas.

Esse é o problema da filosofia. É haver quem queira que o que não se pode saber seja parte da filosofia. Deixando assim esta de ser uma forma de conhecimento e passando a misturar conhecimento com qualquer fantasia (a fantasia está cheia de coisas intestáveis, que note-se, não têm maneira de ser distinguidas umas das outras e de qualquer outra coisa intestável. Não há testes para isso! Nem mentais - esse é o espírito da coisa). Mas esta é uma crença de muitos filósofos - que  a maioria da filosofia é intestável -   ainda que quando pegamos em livros de filosofia vemos que muitas das suas mais famosas ideias passam por experiências de pensamento (em que o teste é mentalmente recriado) e são, pelo menos em princípio  testáveis. A própria falibilidade da indução é testável - assim como a sua utilidade. E a aparente infalibilidade da deduçao, idem.

Assim, com esta amizade ao intestável,  é vulgar ver passar todas as afirmações extraordinárias sobre a realidade para o ramo da filosofia. Claro que com a alegação de que são intestáveis. Assim se evitam provas extraordinárias para afirmações extraordinárias.

Mas a filosofia que é intestável, é uma nulidade. É apostar numa roleta epistémica que nem sequer diz quando se acerta. Não é conhecimento. E se não é conhecimento, mesmo se na forma mais especulativa (e afastada do teste empírico mas não de todo sem ligação a qualquer ponte empírica), não devia ser filosofia.

Claro que os filósofos vêm dizer que não sabemos o que é o conhecimento, que o teste não se valida a ele próprio, que a indução não valida a indução, que não somos infalíveis,  que pode haver nova informação que nos leva a corrigir o que sabíamos  etc. Mas isso só é um problema grave se vivermos numa confusão entre mapa e território e pretendermos que existe algo como a realidade feita palavra. Provavelmente tal mapa realista não é possível. Podemos ter mapas melhores e mapas piores, mas isso poderá ser tudo.

O conhecimento é apenas um grau elevado de plausibilidade para uma afirmação e certezas absolutas provavelmente não existem. Como podemos esperar sequer que a palavra seja a realidade? O Verbo? Não podemos. Talvez por isso Godel tenha conseguido mostrar que vão haver sempre falhas no conhecimento.

Por isso procuramos modelos que funcionem e não verdades absolutas. Mas considerar que devemos aceitar como filosofia o intestável porque o teste só nos dá o melhor possivel mas  não a verdade absoluta é um "non sequitur". Temos sempre de fazer testes.

E se não o fazemos directamente no campo, repito, a ideia é que podemos fazê-lo usando as ferramentas racionais que criámos e as abstracções que sabemos (não absolutamente) que funcionam.

Para finalizar, na pratica,  uma afirmação para ser intestável (sem que isso seja uma questão pontual ou tecnológica) tem de ser tão vaga, ambígua que não diga nada que a possa comprometer! Ou então, tão  deslocada de tudo o que se sabe que nem se percebe se pode ser testada. Isto também só por experiência de pensamento devia ser possível ver que não serve para nada. Por isso os exemplos da história, da moral, etc, como sendo intestáveis são treta. São testáveis. Se não faz sentido, se se descobrem provas que refutam, se não funciona para um fim escolhido, etc, perde plausibilidade. E se 1+1 só fossem 2 no papel e por decreto, já não se usava essa abstracção para nada, pois de nada era uma abstração.

Há quem queira que a filosofia seja a tal coisa sem qual tudo fica tal e qual. Eu não estou de acordo. Precisamos de boa especulação racional. Mas essa é, pelo menos em principio, testável.

(A maioria dos filósofos segundo as songagens do Phill Papershttp://philpapers.org/archive/BOUWDP, é empirista, naturalista, realista moral e até não-humeana. Neste contexto a tendência para o teste empirico é solida.)

terça-feira, 23 de abril de 2013

Energia não nasce do nada.

Se se diz que se produz energia a partir do peso dos automóveis e das pessoas, quer dizer que estamos realmente a tirar essa energia do movimento das massas respectivas. É que se a massa não mexer mais, não há mais produção de energia. Era bom, mas não dá. É preciso levantar e voltar a pousar ou dar lugar ao próximo. Ou seja, é preciso gastar energia.

No caso das pessoas até pode ser bom gastar umas calorias extra, mas no caso dos veículos, a unica energia desperdiçada é a da travagem (na Formula 1 por exemplo ela é reutilizada no próprio automovel, mas os nossos carros de estrada não estão equipados para isso). O resto vai-se transformar em aumentos do consumo de combustivel, dividido por todos é certo. Se vão vender essa energia à rede já agora então podiam dividir o lucro por todos os que contribuiem. Se vai servir para iluminar cartazes de propaganda tenho dúvidas quanto à legitimidade.

Se é para a iluminação pública da cidade pode ser uma boa ideia, mas dúvido que sirva para alguma coisa que se note muito. O que não  se pense é que esta energia vem sem preço.

É que ao contrário do que diz o titulo da notícia do Público (de resto o meu jornal favorito), a energia não nasce. Nós podemos é transformar uma forma noutra.

Quem conhecer bem a mecanica quantica pode lembrar que pares de matéria e antimatéria estão constantemente a pular dentro e fora da existencia, e que matéria é energia, etc. Mas a verdade é que a soma da energia libertada aquando da aniquilação do par particula-antiparticula é igual àquela que foi usada para o formar. Aliás todo o universo pode ter energia total nula e ter surgido de uma flutuação quantica do genero.

Energia grátis não existe. Pelo menos conhecida. E há ainda muita gente que pensa que sim e que formas de energia infinita são segredos conspiratórios das grandes sei láo quê.

Não é o que se sugere fazer aqui, apesar do titulo.

domingo, 21 de abril de 2013

A queda dos extrovertidos e a ascensão dos neuróticos.

De entre as 5 grandes dimensões de personalidade que os psicologos usam para estudar os sujeitos, duas delas com algum contraste são a extroversão e o neuroticismo.


A extroversão, dando mais nas vistas e promentendo confiança e dinamismo tem sido preferida em diversos cenários. Os mais neuroticos têm sido vistos como demasiado instáveis e péssimistas.

No entanto, estudos  recentes mostram que isso como regra para equipas de trabalho é  errado, já que no longo prazo os mais neuróticos sobem em consideração pelos colegas enquanto os outros descem. É que os extrovertidos procuram ser o centro da atenção como objectivo final, enquanto os neuroticos preocupam-se mesmo é em fazer as coisas bem feitas.

Provavelmente uma mistura dos dois tipos será essencial numa equipa. O que é de notar aqui é que a sobrevalorização da extroversão é um ilusão. Assim como o desprezo face aos mais neuróticos.

Via Forbes, aqui.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Precisamos mesmo de espaços verdes.

É bom para o neurónio e para a sociedade. Além disso é bonito.

Desde algum tempo que há evidência que os espaços verdes, reduzem a criminalidade.  E zonas mal arranjadas e deixadas ao abandono, aumentam.

E agora as máquinas , mais concretamente electroencefalogramas, (porque às vezes estamos demasiado preocupados com a vida para perceber o que é mesmo importante) vêem nos mostrar como passear em espaços verdes e naturais nos melhora a disposição, nos torna mais meditativos, diminui a frustração e outras coisas boas. Zonas urbanas mais "hardcore" parece que têm efeito contrário.

Por isso, se não podemos passar a vida a ir passear no campo, ao menos que hajam espaços verdes nas nossas cidades. Precisamos deles. Sempre soubemos não é? Mas agora vamos sabendo mais sobre o verdadeiro impacto.

Já agora, eu sugiro, o Jardim da Gulbenkian. E o da Estrela. Em Lisboa.

Acreditar não pode ser um ponto de partida.

Tem de ser o ponto de chegada depois de trabalho arduo.

No entanto não faltam pelo mundo apelos a acreditar e gente que diz orgulhosamente acreditar. Em tudo e mais alguma coisa. Como se acreditar só por acreditar fosse uma grande virtude.

Mas em sí apenas, acreditar não tem valor. O que interessa primeiro são as razões e a justificação das nossas crenças.




Por falar em jogar aos dados...



"The God Letter", integralmente aqui.