segunda-feira, 15 de abril de 2013

Explicando o que é o cepticismo. E o que não é. E porquê.


Com o aumento enorme da exposição do cepticismo ao público em geral, sobretudo através da internet mas não só, é um pouco frustrante ver como as criticas que suscita são pouco mais ou menos as mesmas que suscitavam há 9 ou 10 anos atrás. Refutam espantalhos.

Não estou sequer a pensar no que dizem os defensores mais acérrimos das pseudociencias (esses variam imenso nas posições que tomam, alguns pretendem inclusivamente pretencer aos cepticos)  mas sim nas criticas que vejo no público mais geral, de pessoas, aparentemente, apenas ocasionalmente interessadas nos assuntos dos cepticos. Por isso penso que refutam espantalhos não por teimosia mas por desconhecimento.

A verdade é que se o ceticismo fosse o que me parece que o publico em geral pensa que ele é, eu também não era céptico.

Porque o cepticismo não é uma ideologia acabada do que devemos acreditar ou negar. Nem um pouco. O cepticismo vive sim da critica e da investigação sistemática, para chegar ao que são as melhores explicações de acordo com tudo o que se consegue descobrir. E isso parece ser algo que escapa completamente ao público em geral.

O cepticismo não é uma crença que valha pelo crença ou uma ideia que valha pela ideia. Ou um conjunto destas. Não tem uma lista de coisas que tem de considerar falsas e outra que tem de aceitar. Não tem uma lista de autoridades que tem de seguir e ou uma hierarquia a respeitar. Talvez a unica seja o consenso cientifico, mas nunca uma autoridade individual e nunca tendo o mesmo peso de evidencia empirica sistemática.

Como o trabalho do cientista é comparar afirmações com fenómenos reais, a afinidade do ceptico com a ciência é enorme. Mas não é pela autoridade. É pelo processo. E tal como a própria ciencia é uma sociedade de autocritica cerrada - e consequentemente em constante evolução e correcção - também o cepticismo não prentende por sua vez considerar a ciencia uma espécie de religião - esta ideia é completamente absurda e no entanto tão popular. É ao contrário - o rotulo do produto, se diz que é ciência ou não - não é importante. Interessa o que diz e a justificação:

O cepticismo não é dogmático. Mas não é dogmático por decreto de não ser dogmático. É porque não funciona ser dogmático e esse foi um caminho que já vimos percorrer. Esse processo funciona muito mal: Porque não valendo a ideia ou a crença por si, sendo esta incapaz de produzir uma alteração na realidade a seu favor, a dita crença ou ideia está sempre à mercê do que se pode tirar epistemológicamente da natureza.

Não é dogmático porque o que conta para o cepticismo é a justificação e não a crença. E as justificações evoluiem conforme vamos sabendo mais.

Na realidade o ceptico está tão ciente da volatilidade do conhecimento que depressa admite que provavelmente  certezas absolutas são em si um conceito pouco util. Mas reconhece que há de facto coisas que explicam e prevêm melhor o mundo que outras. Este cepticismo moderno não é uma variente do cepticismo filosofico clássico. É um ceticismo cientifico, funcional. E ciência significa investigação metódica e construção de um corpo de conhecimento do qual faz parte a própria evolução epistémica.

E em vez de aceitar como verdades aquilo que lhe parece intuitivamente melhor, o ceptico procura mesmo evitar todos os erros que a intuição nos traz ( e aos quais somos TODOS naturalmente cegos - são erros que só conhecemos por comparação exaustiva com a realidade) e julgar as coisas do modo mais cansativo - investigando, comparando argumentos, analisando a lógica por traz dos argumentos, revendo o que se sabe dos estudos empiricos e como eles foram concebidos, etc. Por isso muitos cepticos são também estudantes de pensamento critico, para além de filosofia da ciencia e conhecimento cientifico. E muitos pensadores criticos e cientistas são cepticos - em boa verdade entre os grandes cientistas apenas me ocorre uma ou outra excepção.

Isto, o que é realmente o cepticismo, a atitude face à realidade e à nossa falibilidade,  está claramente longe daquilo que é criticado pelo público.

Ser ceptico é um trabalho intelectual arduo. Há é pessoas que depois de perceberem que a crença não vale por si própria, ou por ser popular, ou por ser benévola, etc, etc,  não são capazes de voltar ao mundo em que acreditar é  uma virtude em si. E preferem ver onde conseguimos chegar se abrirmos a nossa mente às evidências e construção racional e não aos apelos à credulidade  que começam muitas vezes com um pouco escrupuloso "abra a sua mente" (e claro, ser capaz de regeitar as coisas que conseguimos ver que não funcionam.)

Para o ceptico a virtude está em alguns dos aspectos da justificação - como a sua consistencia com o que se sabe (evita contradições) , a completude (deixa pouco por explicar), a simplicidade (não aceita adornar desnecessáriamente um conceito), clareza (ambiguidade é claramente um problema já que é tentar acertar ao calhas), capacidade preditiva ( para diminuir falsos positivos e combater a ilusão do "retrofitting"), replicabilidade e verificação independente . E depois da comparação destas virtudes entre várias explicações propostas. E que ganhe a melhor.

Complicado? Demorado? Exigente?  Pois é. É mais fácil seguir a nossa intuição e arrogantemente escolher o que nos parece melhor, mas isso falha muito, mas muito mais.  A via mais dura e lenta aqui proposta  funciona melhor que qualquer outro processo conhecido. É o processo da ciencia, da tecnologia, da boa filosofia (infelizmente filosofia é um rotulo que serve para tudo). Deu-nos carros, aviões, computadores, vacinas, antibioticos, televisões, etc...

Agora não digam é que escolhemos o que queremos acreditar tal como faz o seguidor de qualquer religião ou ideologia. É ao contrário. Pomos é mais confiança nas coisas que estão mais bem justificadas, sejam elas quais forem.

E o próprio processo de adquirir conhecimento é alvo de critica e pesquisa incessante também.

É na realidade uma atitude de humildade perante a natureza. Não ter ideias préconcebidas, tentar evitar todas as nossas falhas cognitivas e aceitar as respostas que ela nos dá.

Também por isto, cepticos como eu, propõem que as ideias não devem ser discutidas como se fossem parte da nossa personalidade. Não temos de ficar ofendidos quando nos criticam as ideias como se estivessem a criricar o nosso caracter. As ideias não somos nós, nem devem ser donas de nós. Nós é que devemos ser donos delas, enquanto elas servirem para o que se propõem. Discutir ideias aliás é essencial para a saúde da ciencia e do cepticismo. Mas isso só funciona de facto se as ideias não se confundirem com as pessoas que as têm e se as ideias não valerem mais que a justificação que trazem.

Sem comentários: